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Completar 70 anos não garante prescrição a Azeredo no mensalão tucano

Pedro Ladeira - 30.jul.2014/Folhapress
O ex-governador de Minas Eduardo Azeredo, condenado pelo mensalão tucano
O ex-governador de Minas Eduardo Azeredo, condenado pelo mensalão tucano

O aniversário de 70 anos do ex-governador de Minas Gerais Eduardo Azeredo (PSDB), em setembro do ano que vem, não garante que seus crimes no chamado mensalão tucano prescrevam, segundo especialistas ouvidos pela Folha.

De acordo com o Código Penal, os prazos de prescrição caem pela metade "quando o criminoso era (...) na data da sentença, maior de setenta anos".

A expressão "na data da sentença" é que gera discordância. A sentença pode ser entendida pela Justiça como a primeira condenação recebida ou a última, depois de esgotados os recursos em todas as instâncias –o chamado trânsito em julgado.

"O STF (Supremo Tribunal Federal) já entendeu que a redução da prescrição pelo advento dos 70 anos de idade do réu pode ocorrer até que haja o trânsito em julgado, como também de uma forma mais restritiva, afirmando que a redução da prescrição deve ser aferida exclusivamente na data da primeira decisão condenatória", diz Maurício Campos, advogado criminalista.

O caso de Azeredo, que recebeu a primeira condenação aos 67 anos, mas ainda não esgotou os recursos, depende do entendimento dos tribunais que julgarem seu direito à prescrição.

LEITURAS

"Se prevalecer a posição majoritária adotada atualmente pelos tribunais superiores, o fato de o réu completar 70 anos após a primeira sentença condenatória não alteraria em nada a contagem da prescrição", completa Campos.

Para o professor de processo penal da USP Gustavo Badaró, vale a primeira sentença. "A lei não diz que tem que estar transitado em julgado."

"Nesse caso específico, a idade não interfere em nada a prescrição. A sentença de 2015 é a que vale", afirmou o procurador de Justiça Antônio de Padova Marchi Júnior.

No caso de Azeredo, o cálculo do prazo de prescrição depende da pena aplicada a cada crime: é de três anos, para penas de menos de um ano, até 20 anos, no caso de penas acima de 12 anos de prisão.

Tempo necessário para a prescrição ocorrer - Por pena máxima do crime, em anos*

Esse prazo deve ser respeitado entre a data em que o crime ocorreu até a data do recebimento da denúncia, bem como entre a denúncia e a primeira condenação ou entre a condenação e o julgamento de recursos. Essa regra foi modificada em 2010, mas segue valendo para Azeredo, pois seu caso é anterior.

Três acusados no mensalão tucano já atingiram 70 anos e se beneficiam da prescrição, pois não haviam sido condenados –ao contrário de Azeredo, o único de 12 réus a receber pena até agora.

DATAS

A acusação contra Azeredo refere-se a sua campanha à reeleição em 1998 –ele perdeu para Itamar Franco (então no PMDB). O tucano é acusado de desviar R$ 3,5 milhões de empresas estatais (peculato) e lavar esse dinheiro por meio das empresas do publicitário Marcos Valério para financiar a campanha.

A denúncia foi aceita pelo STF em 2009, quando Azeredo era parlamentar e tinha foro privilegiado. Ele renunciou em 2014, fazendo com que a ação penal fosse enviada à Justiça comum.

O prazo entre os crimes e o recebimento da denúncia é, portanto, de 11 anos. A primeira condenação (a 20 anos e dez meses de prisão) veio em dezembro de 2015. Nesta terça (22), o Tribunal de Justiça de Minas Gerais manteve a condenação por peculato e lavagem de dinheiro, mas reduziu a pena em nove meses. Ainda cabem recursos.

A prescrição é apurada crime por crime. No caso da lavagem de dinheiro, que tem punição menor que de peculato e portanto prescreve mais rapidamente, a pena aplicada foi de quatro anos e seis meses –ampliada para seis anos e nove meses devido à continuidade do crime. O acréscimo, porém, não conta para prescrição.

Uma pena maior que quatro anos determina um tempo de prescrição de 12 anos. Caso a Justiça entenda que o prazo deve cair pela metade após o aniversário de Azeredo, o período passa a ser de seis anos –e o crime estaria prescrito. Mas, segundo os especialistas consultados, isso não deve ocorrer.

OUTRAS BRECHAS

Há, entretanto, outras brechas para que Azeredo não cumpra sua pena. Ainda cabem recursos no próprio Tribunal de Justiça de Minas e em instâncias superiores, que podem fazer com que a pena diminua.

Se, ao final do processo, a pena de lavagem de dinheiro ou peculato determinada pela Justiça for menor do que quatro anos, o prazo de prescrição vai a oito anos e o caso de Azeredo prescreve.

Azeredo pode ainda ser beneficiado pela anulação da sua sentença em qualquer instância da Justiça. Nesse caso, uma nova condenação dificilmente sairia antes de seu aniversário, o que também geraria prescrição.

Um ponto polêmico no processo do ex-governador pode gerar tal nulidade: a denúncia original o acusa de cometer peculato sete vezes, enquanto as alegações finais do Ministério Público falam em três crimes de peculato.

Os desembargadores do Tribunal de Justiça, no entanto, condenaram Azeredo pelos sete crimes, indo além da própria acusação. Um artigo no Código de Processo Penal possibilita que isso ocorra, mas há questionamentos.

"Defendo que, quando o Ministério Público pede a absolvição ou redução da pena, não cabe ao juiz decidir de modo contrário, mas essa não é uma posição dominante", diz o procurador Antônio de Padova.

Para Badaró, no mínimo, os juízes têm de pedir a manifestação das partes antes de extrapolar a acusação. Como a Corte Interamericana de Direitos Humanos não permite esse procedimento, o professor acredita que ele passará a ser vetado pela Justiça brasileira.

"Hoje o Supremo permite, mas até um eventual recurso de Azeredo, isso já deve ter mudado e ele vai ter grandes chances de anular essa sentença", diz.

PRISÃO

Nesta semana, o Tribunal de Justiça de Minas, que representa a segunda instância da Justiça, também autorizou a prisão de Azeredo, mas somente depois de esgotados os recursos na própria corte.

Segundo decisão do STF, é possível que o cumprimento dapena comece já após a condenação na segunda instância –não é necessário esperar esgotar todos os recursos em tribunais superiores.

A Folha buscou contato com a defesa de Azeredo, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.


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