Folha de S. Paulo


Em seis dias, Cabral mudou de posição sobre desconto de IPVA para ônibus

Beth Santos/Divulgação
O prefeito Eduardo Paes, o governador Sérgio Cabral e o ex-presidente Lula inauguram a Transoeste, o primeiro corredor exclusivo para BRT (Bus Rapid Transit) do Rio, e abrem ao tráfego o Túnel da Grota Funda. A partir desta quarta-feira, o sistema inédito entrará em operação em caráter experimental, das 10h às 15h, ligando Santa Cruz a Barra da Tijuca. A expectativa é de que 120 mil pessoas sejam beneficiadas diariamente pelo BRT Transoeste, que diminuirá em uma hora o tempo de viagem entre os dois bairros. A Transoeste é um dos compromissos da Prefeitura do Rio para preparar a cidade para os Jogos Olímpicos e Paralímpicos Rio 2016. Os investimentos da prefeitura em mobilidade urbana incluem ainda os BRTs Transcarioca (em construção), Transolímpica (já licitado) e Transbrasil (com previsão de licitação para este ano), que ligarão toda a cidade através de corredores exclusivos para ônibus articulados.Foto Beth Santos
Lula e Eduardo Paes participaram de inauguração ao lado do governador Sérgio Cabral e do vice-governardo Pezão

E-mails obtidos pelo Ministério Público Federal mostram como o ex-governador do Rio Sérgio Cabral mudou, em apenas seis dias, de posição sobre o desconto de 50% no IPVA concedido às empresas de ônibus. A Procuradoria afirma que a isenção rendeu R$ 13 milhões em "bônus" de propina ao peemedebista.

Mensagens obtidas com autorização da Justiça Federal mostram que no dia 9 de janeiro de 2014 Cabral disse que não seria possível conceder a isenção no imposto naquele momento, como os empresários do setor solicitavam.

"Quanto ao IPVA, não afeta apenas a cidade do Rio, mas também outras cidades. Já fizemos um grande esforço fiscal com a desoneração do ICMS [editada no início daquele mês de janeiro de 2014]. Isso tem que ser tratado com muito cuidado. Vivemos um momento difícil nas finanças públicas do país, aqui no Estado e nas prefeituras. [...] Tenha certeza que no momento apropriado será feito, pois o pleito é justo", escreveu Cabral a Lélis Teixeira, então presidente da Fetranspor (entidade das empresas de ônibus), também preso e denunciado.

Seis dias depois, o peemedebista assinaria um decreto concedendo desconto aos empresários, sem qualquer garantia de redução na tarifa. Como a Folha revelou em junho, o desconto concedido por Cabral tramitou por apenas um dia nos gabinetes do Estado.

Os e-mails foram reproduzidos na denúncia oferecida na segunda-feira (7) contra o ex-governador e outras 18 pessoas. No total, o MPF denunciou 23 pessoas em decorrência da Operação Ponto Final em duas peças distintas –que representam a 13ª e 14ª acusações contra Cabral.

Não era a primeira vez que Cabral demonstrava dificuldades em conceder o desconto. Em 26 de dezembro de 2013, ele afirmou ao empresário Jacob Barata Filho, também preso e denunciado, que se tratava de "um tema polêmico".

"A Alerj [Assembleia Legislativa] está em recesso e esse é um tema polêmico pois há perda de receita também para os municípios", escreveu o peemedebista.

A ausência de trâmite do desconto na Alerj foi, inclusive, o motivo pelo qual o decreto de desconto de IPVA foi considerado ilegal pelo Tribunal de Justiça. A Justiça afirmou que essa isenção só poderia ser concedida por meio de uma lei, a ser aprovada pela Assembleia.

Para o MPF, o desconto é uma prova de ato de ofício feito em decorrência do pagamento de propina, o que pode aumentar uma eventual pena em um terço.

A cautela indicada nos e-mails foi substituída pela rapidez com que a solicitação tramitou pelos gabinetes do Estado. A Fetranspor protocolou na Secretaria Estadual de Transporte em 16 de janeiro pedido para redução do IPVA.

No mesmo dia, o processo passou pelos gabinetes do ex-secretário de Transportes, Júlio Lopes (PP-RJ), da ex-subsecretária Tatiana Carius, do ex-superintendente de Gestão da Agência Metropolitana de Transportes Urbanos, Waldir Peres e então foi enviado para a Casa Civil.

No dia seguinte, o decreto foi assinado pelo então governador. Até esta fase, o processo acumulava nove páginas –sendo uma a capa e outra o "termo de abertura de processo"

O MPF afirma que tal decreto rendeu um "bônus" de R$ 13 milhões ao ex-governador. De acordo o procurador regional José Augusto Vagos, o volume repassado em janeiro e fevereiro de 2014 destoou das transferências habituais mensais, que iam de R$ 400 mil a R$ 1 milhão.

"Nesse mês, os valores repassados foram totalmente díspares ao que era repassado normalmente", disse Vagos.

De acordo com os dados entregues pelo doleiro Álvaro Novis –responsável pelo caixa dois das empresas de ônibus que firmou delação premiada–, o repasse foi feito em duas parcelas de R$ 6,5 milhões.

Há a suspeita ainda que parte desse bônus refira-se também à isenção de ICMS concedido às empresas de ônibus. A denúncia, porém, não identifica indícios adicionais de vinculação entre os repasses e o decreto, assinado em 2 de janeiro por Cabral.


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