Folha de S. Paulo


Acervo mostra luta de Chico Mendes na visão da imprensa estrangeira

Em setembro de 1987, pouco mais de um ano antes de sua morte, o líder seringueiro Chico Mendes ainda era chamado de "Mr. Mendes" na reportagem do "The New York Times".

Mas as cinco colunas no alto da página, espaço nobre de um jornal impresso, já falavam dos atentados contra a vida do sindicalista e de como a floresta onde viviam milhares de seringueiros estava sendo derrubada para dar lugar a grandes fazendas.

O jornal inglês "The Observer", um mês antes, o comparava ao bíblico Davi na luta contra Golias, na tentativa de criar reservas extrativistas que preservassem a floresta. No início daquele ano, ele estivera na sede do Banco Interamericano de Desenvolvimento, em Washington, para pressionar o órgão a encerrar o financiamento da BR-364, que cortaria a Amazônia.

A fama internacional de "Mr. Mendes", contudo, contrastava com o silêncio da imprensa brasileira: "Eu só consegui duas notinhas pequenas [sobre o evento nos EUA]", lembra a antropóloga Mary Allegretti, que acompanhou o trabalho do líder seringueiro na década de 1980.

Antiga colega de Mendes em Xapuri (AC), ela tem um acervo único de reportagens da imprensa internacional sobre o trabalho no interior da floresta. Reunidos numa pasta em sua casa em Curitiba, os textos de página inteira contrastam com a cobertura dos jornais nacionais, que se resumem a pouco menos de dez reportagens e algumas notas –à exceção dos jornais do Acre.

Em memória aos 30 anos da morte de Chico, a serem completados em dezembro do ano que vem, Allegretti começou a organizar uma compilação das principais reportagens, que o tornaram famoso e fizeram com que seu assassinato ganhasse repercussão também no Brasil.

"Eles [seringueiros] eram invisíveis; estavam no meio da floresta. Tudo que dizia respeito à Amazônia era folclórico, coisa de gringo", diz.

Mas, para a imprensa internacional, a luta dos seringueiros dava um contorno social à pauta ambientalista, e os prêmios internacionais que Mendes ganhou garantiram sua visibilidade.

"Ele me pareceu um homem simples e honesto. Eu acreditei totalmente nele", contou à Folha o jornalista norte-americano Philip Shabecoff, que trabalhava no "The New York Times", sobre seu encontro com Chico Mendes no escritório do jornal em Washington, em 1987.

Shabecoff confirma o desinteresse nacional pela pauta. No início dos anos 1990, quando veio ao Brasil para uma conferência sobre meio ambiente, foi abordado por um jornalista brasileiro.

"Ele me perguntou por que nós devíamos nos importar com o meio ambiente, porque isso era assunto de gente rica", diz Shabecoff.

Em sua reportagem, de 1987, ele descreve Chico como um "incômodo" aos posseiros da Amazônia.

Já o inglês Geoffrey Lean, do "The Observer", diz que "o neto iletrado da selva brasileira deixou o Banco Interamericano de joelhos".

Com a notícia da morte de Mendes, porém, a pauta dos seringueiros se tornou conhecida no país, ajudando a criar a primeira reserva extrativista brasileira e punindo os assassinos, que foram julgados e condenados.

Allegretti está buscando financiamento para o projeto e começou a fazer contato com os principais jornalistas internacionais que escreveram sobre Mendes.

Sua ideia é compilar e traduzir os textos, além de ouvir as impressões dos repórteres que estiveram com ele na cidade de Xapuri.

O livro deve ficar pronto até o final do ano que vem –quando também deve acontecer um evento em memória do líder seringueiro em Xapuri. Promovido pelo Conselho Nacional das Populações Extrativistas, terá o nome de "Chamado da Floresta: O Legado de Chico Mendes".


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