Folha de S. Paulo


Saída para crise deve vir de fora da política, diz Modesto Carvalhosa

Giovanni Bello/Folhapress
SÃO PAULO, SP, BRASIL, 17-07-2017: Modesto Carvalhosa, advogado, em entrevista na Folha. Ele quer se candidatar em eleição indireta para presidente. (Foto: Giovanni Bello/Folhapress, PODER) ***EXCLUSIVO FOLHA**** ORG XMIT: 30894
O advogado Modesto Carvalhosa, que quer ser candidato a presidente em eleição indireta

Pré-candidato de uma eventual eleição presidencial indireta, o advogado e professor aposentado Modesto Carvalhosa, 85, tem buscado apoio para concorrer, sem filiação a um partido político, e defende que o próximo presidente chame uma Constituinte.

Ele afirma que a saída para a crise no país, com uma "transição" pacífica, está fora dos quadros políticos, que considera deslegitimados com a sequência de escândalos dos últimos anos.

A Constituinte, propõe ele, incluiria um plebiscito em 2019 sobre alguns de seus principais pontos.

Desde a divulgação da delação da JBS, em maio, Carvalhosa vem procurando economistas e empresários e tem conversado com congressistas sobre suas propostas.

Ele diz que há elementos suficientes para a abertura da ação penal contra o presidente Michel Temer. Leia trechos da entrevista:

*

Folha - O país atravessa uma crise profunda, em que a política envolve a economia. Qual perspectiva o sr. vê para a situação?
Modesto Carvalhosa- A sociedade está exigindo uma solução. Não está mais na fase de só se indignar, de ficar protestando, tanto que os movimentos de rua estão parados. A solução que se encontra hoje é dentro da própria sociedade, no sentido de ela propor candidatos que possam realmente viabilizar uma mudança nos quadros políticos existentes.

Uma candidatura civil, autônoma, independente de partidos, para a eventual eleição indireta no caso de renúncia do presidente da República, entra dentro dessa demanda de encontrar uma solução, que seria a de ter, até a posse do novo governo, um presidente que pudesse realmente restabelecer um ministério absolutamente idôneo, capaz, em todos os setores, não só o econômico. E que possa efetivamente levar reformas que ainda devem ser feitas e as que já foram votadas. Que possa estabelecer uma ocupação de quadros dentro da organização pública, que seja de carreira, e não mais desses 22 mil cargos de confiança que criam uma ineficiência enorme.

Uma série de medidas que devem combinar inclusive com uma proposta do próprio governo de uma Constituição nova, que deveria ser submetida em 2019 a plebiscito, que permita, portanto, uma volta ao sistema federativo, uma autonomia dos municípios, dos Estados, uma quebra da hegemonia de Brasília sobre todas as decisões. E permita a extinção do foro privilegiado, a eleição por voto distrital puro, um número mínimo de cargos de comissão, que discuta o fundo partidário.

O sr. pretende se candidatar sem ter partido. Como governar assim?
Cabe ao chefe de Estado conclamar os parlamentares a levar avante reformas e todas as providências administrativas e políticas necessárias. Cabe ao presidente mostrar a competência para conclamar o Congresso a agir de acordo com os interesses do país. Não pode partir do pressuposto que os deputados são incapazes de pensar no interesse público.

A eleição indireta é o desfecho mais provável da crise no país?
O que não pode haver é a continuidade de crise sobre crise. Sai Dilma, entra Temer, depois sai Temer, entra Rodrigo Maia, depois entra Eunício, depois entra não sei quem. Todos implicados na Lava Jato. Já entram sem legitimidade, sem autoridade, sem qualquer respaldo da sociedade brasileira.

É um "fora, Dilma", "fora, Temer", "fora, Rodrigo Maia", que leva o país para uma constante deterioração da sua economia, das relações sociais, das relações urbanas. É uma série de gravíssimos problemas que vai inviabilizando o país. Temos que quebrar esse círculo perverso.

A eleição indireta teria elementos inéditos e incertos, como a realização da campanha. Como seria?
Haveria um apoio espontâneo, por redes sociais, por manifestações, por grupos. E, por outro lado, uma campanha junto aos próprios congressistas. Não seria uma campanha eleitoral custosa, que necessite de recursos. Não teria propaganda de televisão nenhuma. Tem que falar no corpo a corpo com os deputados, senadores, e tem que ter um respaldo da sociedade, que aliás tem tido.

A eleição sem filiação partidária seria uma exceção?
Na indireta, não há nenhuma necessidade de ser filiado. E, na eleição direta, existe o Pacto de San José da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário, no sentido de que não pode haver nenhuma restrição ao eleitor de votar e ser votado. Cabe ao Supremo Tribunal Federal realmente declarar a prevalência do tratado, face à própria Constituição

Como o sr. vê o seu eventual eleitorado, no Congresso, que está marcado por uma sequência de escândalos?
O Congresso tem que ser convocado para uma solução fora de seus próprios quadros, de quadros políticos, que possa levar essa transição pacificamente. Tem que ter alguém de fora, que seja de confiança da sociedade. É uma enorme oportunidade que o Congresso teria de se reconciliar com a própria sociedade no sentido de acabar com esse afastamento cada vez maior: de um lado o povo e de outro os chamados representantes, à essa altura voltados só para seus próprios interesses.

O mandato seria bastante curto. Daria tempo para tantas mudanças?
São mudanças simplíssimas, que não precisam de mudança de legislação nenhuma. A proposta de mudança constitucional, é uma proposta muita séria, que tem que ser levada a seu tempo para levar a plebiscito. As outras medidas, de caráter político, administrativo, podem muito bem ser realizadas, com apoio da classe política, mas sem a necessidade de criação de lei nenhuma, emenda constitucional, nada disso.

E a proposta de convocação de eleições diretas?
Seria completamente contrário à Constituição. Temos um regime presidencialista, cujo fundamento máximo é o calendário eleitoral. Não pode encurtar mandato de ninguém e fazer eleição direta. Tem que fazer uma sucessão dentro da Constituição. Encurtar o calendário eleitoral em um regime presidencialista constitucional vira república das bananas mesmo, vira Venezuela.

Que análise o sr. faz da sentença da condenação do ex-presidente Lula?
A sentença é extremamente consistente. A questão da não prisão dele é o que eu acho que poderia não ser tratada da maneira que foi. Se a pessoa notória não pode ser presa porque é notória, todos os artistas que forem condenados não podem ser presos porque são celebridades. Nesse aspecto faço uma crítica. [Quanto ao] critério. O resto é irrepreensível, uma verdadeira obra de arte jurídica.

*

MODESTO CARVALHOSA, 85

FORMAÇÃO Doutor em direito pela USP e pós-doutorado na Universidade de Camerino, na Itália

CARREIRA Advogado desde 1958, foi professor da Faculdade de Direito da USP na área de direito comercial e presidiu a Associação dos Docentes da universidade


Endereço da página:

Links no texto: