Folha de S. Paulo


Políticos admitem 'caixa três' da Odebrecht em campanhas eleitorais

Luis Macedo/Câmara dos Deputados
O deputado federal Heráclito Fortes (PSB-PI) na Câmara
O deputado federal Heráclito Fortes (PSB-PI) na Câmara

Apelidado pelos executivos da Odebrecht de "Boca Mole", o deputado Heráclito Fortes (PSB-PI) é um dos políticos que admitem ter recebido da empreiteira doação eleitoral por meio de empresas laranjas.

A prática, chamada de "caixa três", consiste em uma triangulação do dinheiro de campanha com o objetivo de escamotear quem era o real financiador.

A fórmula é uma variação do legal "caixa um" –o valor doado sem intermediários e declarado à Justiça– e do ilegal "caixa dois", que é a movimentação de recursos de campanha por fora.

"Eu declarei, foi tudo por dentro. Não sei por qual motivo a Odebrecht não quis dar o dinheiro e passou para outras duas empresas. Acho que havia muita pressão na época e ela não queria aparecer muito", diz Heráclito.

Só nas eleições de 2010, a Odebrecht –a principal empreiteira investigada nos devios da Petrobras– usou o caixa três para direcionar R$ 5,5 milhões para 28 candidatos.

Na prestação de contas eleitorais desses políticos, a empreiteira não figurou como a real fonte dos recursos, e sim a Praiamar e a Leyroz. As investigações apontam que essas duas empresas eram distribuidoras do grupo Petrópolis, fabricante da cerveja Itaipava.

Em delação premiada, executivos da Odebrecht contaram ao Ministério Público que a cervejaria foi usada diretamente em 2014 para replicar o esquema. De acordo com explicações dadas aos procuradores, havia dois motivos para a utilização do modelo: não estourar o teto estabelecido por lei para doações e evitar cobranças de políticos preteridos.

"Na verdade a empresa [Odebrecht] me fez uma doação e apareceu por meio dessas duas empresas", disse o deputado Paulo Teixeira (PT-SP), que nega conhecer a Praiamar e a Leyroz. "Não tenho a menor ideia [do porque da triangulação]. Como é a doação empresarial? Você vai na empresa e declina a sua conta. Aí aparece essas empresas [na prestação de contas]."

Já o líder da bancada do PT na Câmara, Carlos Zarattini (SP), diz que recebeu das duas empresas, mas afirma não se lembrar das circunstâncias nem conhecer a relação delas com a Odebrecht.

Nas palavras do Ministério Público, trata-se de uma "inequívoca ilicitude", um "engodo, uma artimanha para mascarar o verdadeiro autor da doação, que por vias indiretas injeta dinheiro em uma campanha sob o véu do anonimato". "Está-se diante de uma nova modalidade de contabilidade espúria de campanha", diz o MP.

"Só existe um modo de financiamento legal, que é o caixa 1 puro. O resto está no campo das ilegalidades", diz o ministro Herman Benjamin, do Tribunal Superior Eleitoral. Ele relatou o pedido de cassação da chapa Dilma Rousseff-Michel Temer.

Presidente do TSE, Gilmar Mendes diz que é preciso examinar caso a caso e que, a princípio, o problema maior é do doador. "Não precisa haver necessariamente crime. Herman e o Ministério Público veem crime em tudo. Se se trata de manipular limites de doação podemos ter um problema", afirma, se referindo ao teto de doações de empresas, de 2% do faturamento bruto.

O financiamento empresarial acabou em 2015, ano em que o Supremo Tribunal Federal proibiu a prática.

A Folha também procurou as assessorias dos tucanos Aécio Neves, senador afastado, e Bruno Araújo, ministro das Cidades, que também receberam da Praiamar e da Leyroz. Não houve resposta.

A Odebrecht disse que a empresa está colaborando com a Justiça no Brasil e nos países em que atua. "Já reconheceu os seus erros, pediu desculpas públicas".

A assessoria da Petropólis afirmou que a Leyroz e a Praiamar eram distribuidoras terceirizadas de produtos do Grupo Petrópolis. "Todas as doações feitas pelo Grupo Petrópolis seguiram estritamente a legislação eleitoral."


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