Folha de S. Paulo


Lava Jato atesta autenticidade de pintura apreendida com investigado

O artista Fernando Lucchesi não teve dúvidas ao ver a pintura que retrata um enorme vaso de flores, apreendida pela Lava Jato: "Esse quadro é meu", afirmou.

Ao que o chefe da perícia da Polícia Federal em Curitiba, Fábio Salvador, respondeu: "Não acredito".

A investigação queria demonstrar, com dados objetivos, que o quadro apreendido na casa do ex-diretor da Petrobras Renato Duque era, de fato, do pintor mineiro.

Duque é suspeito de usar obras de arte para lavar dinheiro de propina obtida na estatal: a PF apreendeu 132 peças em sua casa.

Divulgação
“Para Guignardâ€, do artista mineiro Fernando Lucchesi apreendida com o ex-diretor da Petrobras Renato Duque investigado na Operacao Lava Jato. Quadro questionado, atribuido a Fernando Lucchesi, medidas 162 x 82 cm. Credito: Divulgacao ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
Tela "Para Guignard"€, do artista mineiro Fernando Lucchesi, apreendida pela Lava Jato

Demorou quase um ano, mas a equipe de peritos concluiu um laudo que promete ser um marco para a investigação de lavagem de dinheiro no Brasil: ele atesta a autenticidade do quadro "Para Guignard" –que, afinal, era mesmo de Lucchesi.

Com o uso de cinco técnicas diferentes, o trabalho estabelece um parâmetro para avaliar com segurança a autoria e o valor de uma obra de arte, e então estimar o montante e as condições da lavagem de dinheiro.

Assim, confere precisão à imputação do crime.

Por exemplo: o quadro era verdadeiro ou falso? O dono sabia disso? Ele pagou mais ou menos do que a tela valia?

"Essa precisão nos dá mais segurança para pedir reparação de danos e decretar o perdimento desses bens", avalia o procurador da República Diogo Castor de Mattos, integrante da força-tarefa da Operação Lava Jato.

"É um laudo que foge do achismo", resume Salvador, que coordenou o trabalho.

Pinceladas na Lava Jato

A Folha teve acesso ao laudo, anexado ao inquérito policial contra Duque no mês passado.

Os peritos da PF começaram a análise com a grafoscopia, que conferiu a assinatura do artista.

Em seguida, com a ajuda de pesquisadores da UFPR (Universidade Federal do Paraná), fizeram um exame chamado microscopia Raman, que checou os espectros das tintas utilizadas na tela (uma espécie de "digital" da física), somado à microscopia eletrônica, que realiza uma análise química dos materiais.

A perícia ainda tirou uma fotografia rasante, que avaliou o processo criativo do pintor, conferindo o tipo de pinceladas; e outra com luz ultravioleta, que eliminou a presença de adulterações na tela.

A PF levou o pintor ao Museu Oscar Niemeyer, que tem a guarda da obra, para atestar sua autenticidade.

Lucchesi emprestou até um pincel aos peritos, que o compararam com as tintas utilizadas no quadro.

"Eu preciso de provas, de dados objetivos", comenta Salvador. "Desconfio de todo mundo. O trabalho da ciência é convencer os outros", declarou.

Três universidades foram parceiras do trabalho e cederam equipamentos e expertise à perícia: a USP, a UFPR e a UFMG.

REPERCUSSÃO

O laudo não foi concluído a tempo de alterar as imputações contra Duque, que já é réu sob acusação de lavagem de dinheiro.

Mas deve estabelecer um protocolo para laudos futuros –há cerca de 30 em andamento na Operação Lava Jato e centenas de obras apreendidas.

"É uma das formas mais tradicionais de se lavar dinheiro, porque a obra de arte não desvaloriza. Pelo contrário, o valor multiplica", comenta a museóloga Patricia Moura, que atuou como laudista na apreensão dos quadros de Duque.

"É uma bela poupança que pode ser guardada em qualquer lugar, e invisível aos olhos da maioria."

Outras técnicas também estão sendo testadas: num quadro do artista Sergio Telles, por exemplo, que viveu no Líbano, a PF pretende analisar os fungos no fundo da tela, para avaliar se eles são típicos daquela região.

A equipe ainda prepara as malas para avaliar o acervo de Márcio Lobão, filho do senador Edison Lobão (PMDB-MA), que teve 1.200 obras apreendidas no Rio de Janeiro. A metodologia pode ter consequências no mercado de arte brasileiro, ao detectar falsificações em galerias, leilões e museus.

"Isso denigre o mercado, os espaços de exposição", diz Moura. "É de interesse de todos. Serve para dizer: você não está comprando gato por lebre. E quem ganha, no fim, é o público."

O objetivo dos peritos é lançar um "laboratório de obras de arte" na PF, para que os laudos saiam "igual pão quentinho", diz Salvador.

O plano, porém, carece de investimento: apenas um dos equipamentos custa R$ 1,5 milhão.

Preso há dois anos, Duque, que tenta firmar um acordo de delação, admitiu em depoimento recente que parte dos quadros foi comprada com dinheiro ilícito, mas diz que colecionava por gosto.

"Obra de arte não é para ficar fazendo negócio; não é para quem não entende do assunto", afirmou.


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