Folha de S. Paulo


Brasil está entre poucos países que barram candidatos avulsos

Alan Marques - 6.dez.2015/Folhapress
BRASÍLIA, DF, BRASIL, 06.12.2015. Turistas fazem visita guiada ao Palácio do Planalto. Turistas andam no Salão Branco do Planalto. (FOTO Alan Marques/ Folhapress) TURISMO *** ESPECIAL ***
Turistas fazem visita guiada ao Palácio do Planalto

O novo presidente da França, Emmanuel Macron, elegeu-se sem pertencer a um partido político. Também era independente de sigla Joachim Gauck, que presidia a Alemanha até março deste ano. Croácia, Bulgária e Islândia são outros a terem hoje primeiro-ministro ou presidentes não integrantes de agremiações partidárias.

Com o Brasil em profunda crise política, forte rejeição popular ao establishment e diante da possibilidade de uma eleição indireta que carece de regulamentação, brotam questionamentos ao fato de o país proibir candidaturas independentes.

Segundo a última pesquisa Datafolha, 66% dos eleitores não têm siglas de preferência. O país tem 145 milhões de eleitores inscritos e 16,6 milhões filiados a partidos.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e a presidenciável Marina Silva (Rede) estão entre os que têm defendido o fim do monopólio dos partidos na indicação dos candidatos. O jurista Modesto Carvalhosa, 85, chegou a se lançar como candidato à sucessão indireta de Michel Temer, embora não tenha partido.

Em uma nota mais jovem, o economista Bruno Santos, 28, cofundador do Acredito, um dos movimentos surgidos na esteira do descrédito da política tradicional, opina que permitir candidaturas independentes forçaria partidos a se tornarem mais abertos, já que passariam a ter concorrência.

"Não é uma bala de prata que vai resolver todos os problemas, mas é mais uma via para democratizar os partidos", diz Santos. Seu grupo, cujos membros em boa parte têm em comum estudos em Harvard (EUA), pretende apoiar em 2018 candidaturas que tendam ao centro, unindo "progressismo social e conservadorismo fiscal".

A exigência, hoje expressa na Constituição, de filiação partidária como condição para poder ser eleito ela remonta a um decreto-lei de 1945, nos estertores da ditadura de Getúlio Vargas, mas trata-se de um modelo pouco habitual pelo mundo.

De acordo com o projeto intergovernamental ACE, que reúne dados eleitorais do planeta, apenas 20 países do mundo exigem que candidatos integrem partidos. É o caso de Suécia, Argentina, Uruguai, África do Sul, Suriname e Camboja.

Na grande maioria das nações, permite-se, quando não ampla liberdade a candidaturas avulsas, autorização ou ausência de proibição para que independentes disputem alguns cargos.

SEM INDEPENDENTES

COMO MUDAR

Tentativas de abrir o modelo a independentes sempre naufragaram no Congresso. Uma proposta de emenda à Constituição foi apresentada em 2015 pelo senador Reguffe (sem partido-DF) está empacada.

"É sempre difícil que quem foi eleito por um sistema queira mudá-lo", admite o parlamentar, que se elegeu pelo PDT.

Sem sucesso no Legislativo, outra opção dos "independentistas" é o Supremo Tribunal Federal.

Após falhar em conseguir um registro de candidato para prefeito do Rio no ano passado por não ter partido, o advogado Rodrigo Mezzomo recorreu. Perdeu em todas as instâncias da Justiça Eleitoral.

Em maio deste ano, foi ao STF. Para ele, que é ex-tucano e dá aulas de direito na Mackenzie Rio, é uma "mentira" que não se pode admitir candidaturas independentes no Brasil.

Ele baseia seu argumento no fato de o país ser signatário da Convenção Americana sobre Direitos Humanos –o Pacto de São José da Costa Rica, de 1969–, que não inclui a filiação partidária entre as possíveis limitações ao direito de ser votado.

Mezzomo lembra que, em uma divergência entre a convenção internacional e a Constituição, o Supremo já decidiu que o primeiro se sobrepõe à segunda no que for mais favorável ao indivíduo. O mesmo argumento é evocado pelo presidenciável Carvalhosa.

"Meu recurso tem o potencial de quebrar a ditadura partidária em que vivemos, de libertar a população da amarra dos partidos", diz Mezzomo, que vê ainda potencial de enfraquecimento da corrupção e da força dos caciques políticos com a medida.

PROBLEMA DE MUDAR

Em teoria, dar mais escolhas ao eleitor é uma ótima ideia, afirma a cientista política Maria do Socorro Braga, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Mas agora está longe de ser o melhor momento para isso, argumenta.

Com o clima de rechaço generalizado a partidos e políticos, abrir o sistema a figuras apartidárias poderia implodir o sistema partidário.

"Se a gente não estivesse nessa crise, estivesse com mais padrões de regularidade, com o sistema democrático funcionando, a candidatura avulsa não traria tantos problemas e o sistema se sustentaria", afirma.

E que mal haveria nisso, hão de se perguntar os menos entusiastas de PMDB, PSDB, PT e companhia.

Braga explica que é o sistema partidário que faz a vinculação, "ou deveria estar fazendo", entre a população e o Estado nas democracias.

"Até hoje não criamos outro mecanismo que faça essa canalização. Implodir o sistema é quase rejeitar o regime democrático, aí teríamos que pensar em outro tipo de regime."

Caso o sistema estivesse normalizado, diz, um ou outro independente se elegeria. É o que costuma ocorrer na maioria dos países que permitem nomes avulsos. Os partidos seguem, assim, hegemônicos.

A cientista política lembra ainda que abrir as portas aos independentes implicaria numa mudança drástica nas eleições para o Legislativo, que hoje tem uma distribuição de cadeiras que leva em conta legendas e coligações. Seria necessário migrar para o voto distrital ou para o chamado distritão, onde os mais votados são eleitos.

Não há chance disso ocorrer, aposta Braga. "Deputados e senadores estão em xeque, não farão nada que possa aumentar a imprevisibilidade da reeleição deles em 2018."


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