Folha de S. Paulo


Análise

Questões de Ordem: Processo contra chapa Dilma-Temer ganhou vulto com delatores

Daniel Marenco-27.abr.2014/Folhapress
A presidente Dilma Roussef participa de evento com Michel Temer em 2014
A presidente Dilma Roussef participa de evento com Michel Temer em 2014

Quando começou, a ação para cassar a chapa Dilma-Temer no Tribunal Superior Eleitoral era só "para encher o saco", como disse Aécio Neves (PSDB-MG) em uma de suas apimentadas conversas com o dono da JBS, Joesley Batista.

De fato, quando se lê a argumentação inicial dos advogados, a impressão é de um conjunto de trivialidades, incapazes de tirar o mandato de ninguém.

A coisa tomou outro vulto com o passar do tempo, como se sabe. Mas é bom acompanhar tudo aos poucos.

QUATRO AÇÕES

A coligação "Muda Brasil", encabeçada pelo PSDB, pediu uma abertura de Ação de Investigação Judicial Eleitoral em outubro de 2014. Era a Aije 1547, apontando vários indícios de abuso de poder político, em geral bem pouco significativos.

Por exemplo: a reforma de um fogão a lenha para uma eleitora beneficiária do programa "Água Para Todos". Ou um discurso de Dilma Rousseff em rede de rádio e TV, em comemoração ao Dia do Trabalho, que teria tido "propósito eleitoral"; ou o envio de folhetos da candidatura pelos Correios, sem o devido carimbo.

Em dezembro de 2014, o PSDB pediu a abertura de outra ação. Tratava-se da Ação de Investigação Judicial (Aije 1943), que acrescentava novas queixas. Citava coisas como o transporte de eleitores para um comício em Petrolina, com ônibus fretados por uma ONG que recebia verbas do governo. Mas também mencionava a suspeita de propinas na Petrobras.

Em janeiro de 2015, o PSDB entrou com mais duas ações, a Representação 86 e a Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (Aime) 761.

Como todas as reclamações eram parecidas, em março de 2016 os quatro processos viraram um só.

"CAUSAS DE PEDIR"

Longas investigações se desenvolveram para confirmar, ou não, os problemas levantados. No total, eram 23 motivos de queixa, ou, como diz o jargão jurídico, as "causas de pedir".

Estava claro que várias delas eram ridículas. A doação de uma prótese dentária, por exemplo, entrou nessa categoria. Um dente a mais ou a menos não daria a vitória a Aécio.

Só que, como todos sabem, no decorrer das investigações coisa muito mais séria e grave apareceu.

Já em 2014, o PSDB apontava que a chapa Dilma-Temer recebera dinheiro proveniente de corrupção. O primeiro sinal disso, ainda no começo da operação Lava Jato, estava na delação premiada do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa.

Seguiu-se a conhecida romaria dos envolvidos na Lava Jato. Todos admitiram a realização de licitações fraudulentas na Petrobras, e o uso de dinheiro de propina para financiamento de partidos políticos.

Na última hora, isto é, em março deste ano, juntaram-se os depoimentos do marqueteiro João Santana e sua mulher, Mônica Moura, além dos de Marcelo Odebrecht. Como noticiado, admitiu-se que foram feitos pagamentos de R$ 50 milhões em troca de uma medida provisória que aliviava a situação fiscal da empreiteira.

Verdade que a medida foi aprovada antes de 2010 -mas o pagamento pelo favor, segundo Odebrecht, só foi solicitado e feito quando se precisou custear a campanha de 2014.

Já seria grave em termos de abuso de poder econômico e político, mas descobriu-se o bastante para preencher centenas de páginas.

O QUE DIZ A DEFESA DE DILMA

Os representantes da ex-presidente argumentam em torno de três pontos principais, além de contestarem os detalhes de cada acusação.

Quanto aos financiamentos de empreiteiras, lembram que a campanha de Aécio foi igualmente beneficiada -nesse aspecto, a disputa eleitoral se deu em termos bastante equilibrados.

Em segundo lugar, alegam que o processo foi mudando de objetivos ao longo do tempo.

As famosas "causas de pedir" oficialmente apresentadas pelo PSDB mencionavam as primeiras revelações da Lava Jato, que versavam sobre propinas ocorridas nos anos de 2012 e 2013. Não seria correto incluir no fim do caminho depoimentos como o de Marcelo Odebrecht sobre financiamentos em 2014.

Ligado a isso, houve um cerceamento do direito de defesa. Os advogados criticam o fato de não ter sido autorizada a convocação de testemunhas como Guido Mantega, que poderiam contradizer os testemunhos colhidos no TSE.

Por fim, não faz sentido, para os advogados, uma ação que visa a impugnar o mandato de Dilma Rousseff, uma vez que este já terminou, com o advento de seu impeachment.

Desses três pontos principais, talvez o mais convincente seja o segundo: é arriscado tomar como verdade absoluta o que se disse em delação premiada. Em tese, enquanto não se encerra o processo da Lava-Jato, não está provada nenhuma das propinas que, no TSE, se tomam como fatos fora de dúvida.

É um beco sem saída processual, por certo -mas sempre se pode argumentar que os ministros do TSE têm poder para formar suas próprias convicções.

O QUE DIZ A DEFESA DE TEMER

Os advogados do atual presidente têm uma tarefa difícil, que é a de separar juridicamente as irregularidades em prol de Dilma dos interesses do próprio Temer em se eleger vice-presidente.

A Constituição é explícita ao dizer que a eleição do presidente acarreta a do vice. Quatro governadores (Maranhão, Tocantins, Piauí e Paraíba) perderam seu mandato por abuso de poder -e o vice foi junto.

"Mas há possibilidades de ressalvas nesse caso concreto", diz a defesa de Temer. Se o vice abriu sua própria conta de campanha -coisa a que não era obrigado pela legislação-, deve-se aceitar que ele não tinha responsabilidades pela conta de Dilma Rousseff.

Por fim, os advogados apelam para a delicada situação do país, pedindo que o TSE leve em consideração argumentos também políticos, e não apenas jurídicos, para salvar o mandato.

INELEGIBILIDADE

No mais, a ex-presidente pode sofrer a pena de inelegibilidade -coisa de que se livrou na decisão do impeachment-, uma vez que há depoimentos indicando que ela sabia efetivamente das contribuições da Odebrecht ao "nosso amigo" (referia-se a Mantega, numa conversa com Marcelo).

Quanto a Michel Temer, houve o famoso jantar no Palácio do Jaburu, com Odebrecht, Eliseu Padilha e outros. Pelo testemunho, o vice-presidente retirou-se na hora em que se combinaram R$ 10 milhões de doação; sua participação pessoal nas irregularidades não estaria comprovada.

Desse modo, ainda que ele perca seu mandato pelos abusos cometidos na campanha, a sanção individual de proibi-lo de participar em novas eleições não teria fundamentos mais sólidos.


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