Folha de S. Paulo


Análise

Diretas Já, sim, mas também com um pacto

Matuiti Mayezo/Folhapress
Comício pelas
Comício pelas "Diretas Já" em 1984 no Vale do Anhangabaú, em São Paulo

Saudades dos tempos em que todos os que nos achávamos os bons do filme da época –os favoráveis à democracia– estávamos juntos gritando "diretas já" nas ruas.

Puxem dos arquivos qualquer foto das manifestações de 1984 e nela estarão Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso, Leonel Brizola e Ulysses Guimarães (o grande cacique do PMDB), para citar apenas líderes dos quatro grandes partidos e sem mencionar Tancredo Neves.

Hoje, o grito reaparece, mas cada liderança se move por seu próprio lado e seus próprios interesses. Pior: pode ser tarde demais. A Folha, que, em 1984, juntou-se ao grito com incontrolável entusiasmo, já o repetiu no ano passado, em editorial de capa "Nem Dilma nem Temer" - o que, necessariamente, significaria a convocação de eleições diretas (naquele momento ainda não se havia chegado à metade do mandato de Dilma/Temer; agora, afastado Temer, o pleito teria que ser indireto por um Parlamento absolutamente desmoralizado).

Claro que sempre há a possibilidade de uma emenda constitucional que estabeleça uma eleição direta tão imediata quanto possível. Mas temo que aconteça, agora, o mesmo que ocorreu com a "diretas já" original: obtém a maioria dos votos, mas não os dois terços necessários.

Mesmo que passe a emenda, a eleição se fará com um sistema político apodrecido até a medula, o que sempre abre espaço para o surgimento de aventureiros.

Junto com "diretas já", mas não em vez de, o ideal seria que as lideranças políticas fizessem o que se fez na Espanha na transição do autoritarismo para a democracia: o chamado Pacto de La Moncloa (sede do governo), pelo qual as principais forças estabeleceram regras básicas de funcionamento das instituições e do governo que nascera das eleições de 1977, as primeiras livres em praticamente 40 anos.

Hoje, no Brasil, é tal o grau de crispação que uma proposta desse tipo parece inexequível. Mas não custa lembrar que o pacto na Espanha se deu entre correntes que haviam se matado umas às outras durante a Guerra Civil de 1936/39. No Brasil, o tiroteio é verbal. Pode ser boçal - e é -, mas é menos letal.

Contra o pacto, pode-se também alegar que as lideranças políticas não merecem fé. É verdade, mas são as que temos, já que não é possível importar políticos suecos ou dinamarqueses. E, além disso, todos foram devidamente eleitos. Suas culpas, portanto, contaminam também os eleitores.

Um acordão decente permitiria eleger um (a) presidente de transição que aplicaria um programa igualmente acordado, em suas linhas gerais, até que as verdadeiras "diretas já" acontecessem normalmente em 2018.
Admito que é uma proposta talvez ingênua, mas qual é a alternativa? Permitir o naufrágio definitivo que talvez acabe arrastando para as profundezas também as "diretas"-2018?


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