Folha de S. Paulo


Júri simulado debate na USP direito ao esquecimento

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Juri simulado sobre liberdade de expressao e direito ao esquecimento no Salao Nobre da Faculdade de Direito da USP, nesta sexta (12/5/2017) Foto: Divulgacao/InternetLab ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
Juri simulado sobre liberdade de expressão e direito ao esquecimento, em São Paulo, nesta sexta (12)

A tensão entre o direito individual à privacidade e o direito coletivo à informação foi o tema de um júri simulado na Faculdade de Direito da USP, no Largo de São Francisco, nesta sexta-feira (12).

O exercício visava debater as implicações do "direito ao esquecimento", demandado por pessoas que buscam deixar para trás fatos desabonadores do passado. Em 2014, o Tribunal de Justiça da União Europeia decidiu que buscadores como o Google poderiam ser obrigados a filtrar informações sobre o passado de pessoas.

Esse direito não existe na lei brasileira, mas vários pedidos já chegaram aos tribunais. Na última eleição, o projeto "Ctrl-X", da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), registrou dezenas de pedidos de políticos para excluir notícias da internet.

Por cinco votos a dois, estudantes da universidade decidiram que um homem fictício, que cumpriu pena de 15 anos após matar sua mulher por ciúme, teria o direito de ter notícias sobre o caso ocultadas da base de um buscador hipotético. Por seis votos a um, os jurados também decidiram que ele não teria direito a indenização.

Na simulação da USP, um personagem deixa a prisão após cumprir toda sua pena por feminicídio. Da cadeia, enviou cartas publicadas em sites dizendo que matara em defesa da honra. Ao ser libertado, grupos feministas fazem um protesto de que sua própria filha participa. Depois, quando tenta encontrar emprego, obter empréstimo e até conhecer uma namorada em aplicativos, as notícias encontradas no buscador fazem com que ele seja rejeitado. Ele requer ao Judiciário a desindexação das notícias e indenização.

Flávio Yarshell, professor titular de direito processual da Faculdade de Direito, fez a defesa do pleiteante. Ele argumentou que o esquecimento serve para superar fatos traumáticos da vida de uma pessoa. Yarshell comparou os percalços do personagem a uma pena de morte e questionou se para combater a violência contra a mulher seria preciso que um homem se tornasse um "troféu na parede". Fez uma longa exposição sobre a crença religiosa na reencarnação e disse que as pessoas precisam esquecer do passado para poderem evoluir.

"Se ele não tiver o direito ao esquecimento, sua maior pena terá começado após a prisão, como se ele fosse sepultado vivo", disse. "Há quem diga que garantir o esquecimento seria como queimar livros, mas é possível contar a história sem queimar pessoas na fogueira."

Taís Gasparian, professora da ESPM e sócia do escritório RBMDFG Advogados, fez uma defesa da liberdade de expressão ao representar o buscador.

Segundo ela, a questão envolve interesse público muito maior do que o caso individual, pois o direito à informação constitui a base do Estado democrático de direito. O próprio fato que levou o personagem à prisão já seria um caso público. Os protestos na sua soltura, tema das notícias lidas por quem rejeitou o personagem, também eram públicos.

"Se desindexarmos essas notícias, abrimos precedente para serem ocultadas notícias de manifestações contra governos, contra presidentes da República", disse. "É possível que haja instrumentalização da Justiça para que se escondam outras informações", afirmou.

O presidente da sessão, desembargador Carlos Alberto Garbi, lembrou que o Tribunal de Justiça de São Paulo já julgou dois casos de direito ao esquecimento. Num deles, o marqueteiro de um candidato a prefeito do interior pleiteava que o jornal local deixasse de citar sua antiga condenação por tráfico de drogas a cada menção ao candidato. Seu pedido foi atendido.

No segundo caso, um homem demandava a ocultação de notícias sobre quando ele era membro de grupos neonazistas de skinheads. O pedido foi negado.

O exercício da USP antecipa um julgamento real. Em 12 de junho, o Supremo Tribunal Federal fará uma audiência pública a respeito do tema. Familiares de uma mulher estuprada e morta em 1958, cujo caso foi tema de um programa da TV Globo, demandam esquecimento e indenização. O Superior Tribunal de Justiça lhes deu ganho de causa.

No Supremo, o relator do caso é o ministro Dias Toffoli. Gasparian estará entre os advogados que exporão seus argumentos sobre o tema. Quando julgado, o caso terá repercussão geral, ou seja, a decisão valerá para todas as instâncias do Judiciário.

O "direito ao esquecimento" também tem sido debatido no Legislativo. Em 2014, Eduardo Cunha, então presidente da Câmara dos Deputados, propôs o primeiro projeto de lei sobre o tema. Ele chegou a acelerar a tramitação do projeto, que foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça. Depois de Cunha perder o mandato, o texto foi rejeitado pelas comissões de Defesa do Consumidor e de Cultura.


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