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Janot é 'ignorante' e mentiroso, diz sócio da mulher de Gilmar Mendes

Bruno Poletti/Folhapress
O advogado Sergio Bermudes, para quem Rodrigo Janot 'mostra crassa ignorância, ou chocante má-fé
O advogado Sergio Bermudes, para quem Rodrigo Janot 'mostra crassa ignorância, ou chocante má-fé'

O advogado Sergio Bermudes, sócio da mulher do ministro Gilmar Mendes em um escritório de advocacia, chama o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, de sicofanta [caluniador], leviano, inescrupuloso e irresponsável em nota que divulgou nesta terça (9).

Janot pediu nesta segunda (8) à presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia, que o ministro Gilmar Mendes seja declarado suspeito de julgar o empresário Eike Batista porque a mulher do magistrado é sócia de Bermudes num escritório de advocacia. Janot pede também Eike volte à prisão. O empresário foi libertado por decisão de Gilmar no último dia 28.

Bermudes rebate o pedido de Janot com a alegação de que a mulher de Gilmar, Guiomar Mendes, jamais atuou em processos criminais de Eike. O habeas corpus que libertou o empresário é da esfera criminal.

"Nem ela nem eu nem qualquer dos meus colegas jamais atuamos em processos criminais em que é réu aquele empresário, ou qualquer outra pessoa, mesmo porque não exercemos advocacia criminal".

Bermudes disse à Folha que é enganosa a ideia de que Guiomar Mendes recebe algum recurso dos casos de Eike. "A Guiomar nunca recebeu um centavo por conta das causas de Eike. O dinheiro é repartido apenas entre os advogados que atuaram no caso".

Segundo a nota de Bermudes, "Rodrigo Janot mostra crassa ignorância, ou chocante má-fé, quando invoca, para respaldar sua urdidura, o Código de Processo Penal, cujo artigo 252 proíbe o juiz de exercer sua função no processo em que funcionou seu cônjuge, o que não é o caso".

O advogado acusa Janot de fazer uma manobra para respaldar seu pedido. "Ciente de que o Código de Processo Penal não respalda a sua invectiva, Janot quer aplicar à hipótese o Código de Processo Civil, por analogia, descabida porque a lei processual penal trata exaustivamente do assunto".

A diferença entre os códigos é que o de processo penal fala especificamente de processo, enquanto o de processo civil trata das ações genericamente. Ou seja, o impedimento previsto no Código de Processo Civil é mais amplo do que aquele descrito nas normas do processo penal.

Bermudes diz que o próprio Janot deveria se declarar impedidos em casos em que sua filha atua. A advogada Letícia Ladeira Monteiro de Barros, filha de Janot, atua em processos civis da OAS e da Braskem, braço petroquímico da Odebrecht. A Odebrecht e a Braskem assinaram um acordo de delação com procuradores da Lava Jato. A filha do procurador, no entanto, não participou das negociações porque atua na área civil.

"Espero agora que, para despir-se das vestes de sicofanta, Rodrigo Janot peça desculpas pela manobra indecorosa, e aproveite a oportunidade para explicar por que nunca se afastou do exercício de sua função dos casos de que são investigados e processados por procuradores federais cliente de sua filha, como divulgado pela imprensa".

Ainda segundo a nota, Janot "desmerece a função que exerce". "Leviano, inescrupuloso e irresponsável, não pode chefiar o nobre Ministério Público, hoje atuando corajosa e eficazmente contra a corrupção que tenta destruir o Brasil".

Em nota emitida nesta terça (9), Janot diz que a Procuradoria Geral da República não atua em casos de leniência, uma espécie de acordo de delação para empresas, nos quais a sua filha tem trabalhado. Esses casos são celebrados entre o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) e o procuradores de primeira instância. A procuradoria-geral, segundo a nota, só atua em casos em que há foro privilegiado, ou seja, deputados, senadores ou presidente da República.

"É importante notar que os executivos da OAS não firmaram acordo de colaboração no âmbito da Operação Lava Jato, e a construtora OAS não assinou acordo de leniência. O procurador-geral da República não assinou nenhuma petição envolvendo a empresa ou seus sócios. Portanto, não há atuação do PGR", afirma a nota de Janot.

Procurado, ele não quis se manifestar sobre a nota de Bermudes.

ENTENDA - IMPEDIMENTOS

O que diz a lei?
O Código de Processo Civil afirma em seu artigo 144, inciso VIII, que o juiz é impedido de julgar um caso "em que figure como parte cliente do escritório de advocacia de seu cônjuge, companheiro ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive, mesmo que patrocinado por advogado de outro escritório". Já o Código de Processo Penal diz que o impedimento ocorre quando a mulher atua no processo. A lei abriga tanto as argumentações de Rodrigo Janot quanto as do ministro Gilmar Mendes.

O que dizem os especialistas?
O advogado Paulo Rangel do Nascimento, que defendeu diversos juízes, diz que Gilmar deveria se declarar impedido pelo fato de sua mulher ser sócia de Sergio Bermudes. Já Ives Gandra Martins afirma que não há razão para impedimento porque o escritório de Sergio Bermudes não atua na esfera criminal. O professor de direito Constitucional do IBMEC Luis Claudio Martins de Araújo afirma que os dois lados podem estar certos com um senão: o Código de Processo Penal manda seguir as regras do Código de Processo Civil quando o primeiro não trata de maneira detalhada de uma questão. Araújo defende essa posição, a mesma de Rodrigo Janot.

O ministro Gilmar Mendes violou a lei?
Depende de qual norma o julgador seguir.

Há alguma brecha para que Gilmar julgue um caso relacionado com sua mulher?
Sim. Gilmar alega que sua mulher não cuida de casos criminais, como o habeas corpus que ele julgou de Eike. O Código de Processo Civil, no entanto, não diferencia casos civis, criminais ou administrativos, segundo o advogado Paulo Rangel do Nascimento. A professora da USP Susana Henriques da Costa diz que o código civil deveria ser adotado nesse caso porque "tem regras mais claras".

A mesma norma sobre impedimento se aplica ao procurador-geral da República, Rodrigo Janot, cuja filha é advogada e atua em processos da Braskem e da OAS?
Os casos não são idênticos porque o procurador não precisa seguir as regras de um juiz, segundo Paulo Rangel do Naascimento. O juiz não é parte de um processo e espera-se dele imparcialidade. Já o procurador é parte.


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