Folha de S. Paulo


Se fosse fácil, criminalidade seria menor onde há pena de morte

Lula Marques/Folhapress
Fachada do Supremo Tribunal Federal, em Brasília

O cidadão comum —inclusive quem se considerava bem informado— deve estar estarrecido com a abrangência sistêmica e a natureza resiliente da corrupção que finalmente veio à tona com a Operação Lava Jato.

A tendência natural é culpar a falta de escrúpulos das classes empresarial e política, cuja ambição econômica e deficiência de caráter ficam agravadas pelo sentimento geral de impunidade.

Esses fatores são relevantes para compreender o quadro atual, mas não explicam tudo.

Substituir as pessoas corruptas e tornar mais crível a ameaça de punição pode não ser o suficiente para consolidar o legado da Operação Lava Jato.
Se fosse tão simples, os índices de criminalidade seriam mais baixos nos países que adotam a pena de morte, inclusive para práticas de corrupção. Sabe-se, porém, que essa correlação não é necessariamente verdadeira.

No fundo, o castigo exacerbado serve para satisfazer o sentimento de justiça (ou de vingança) da vítima e da sociedade.

É preciso refletir também sobre as causas remotas da corrupção e modelar incentivos institucionais de longo prazo para que a história não se repita.
A efetividade dos meios de investigação e a severidade da punição são apenas o primeiro passo.

A valorização do comportamento ético dentro e fora da política, combinado com a reforma do sistema eleitoral e a criação de alternativas para financiamento de campanhas, são medidas essenciais para obtenção de resultados mais duradouros.

Sem isso, fica difícil atrair para a cena política pessoas sérias e comprometidas, que estejam realmente dispostas a exercer cargos públicos por motivos nobres, embora sem abrir mão de suas legítimas aspirações pessoais.

E também para fazer com que essas pessoas não se corrompam com o passar do tempo pelos estímulos perversos à sua volta.

As distorções no modelo de representação popular, a fragmentação partidária oportunista e o custo exorbitante das campanhas eleitorais (turbinadas por milagreiros do marketing político) praticamente obrigam a que a atividade política se transforme em um balcão de negócios, que precise gerar recursos para se manter economicamente viável.

Nesse contexto, o enriquecimento pessoal tornou-se até um objetivo secundário. O motivo principal passou a ser a sobrevivência eleitoral e, com maior investimento, a ascensão na carreira.

Não parece razoável tampouco exigir voto de pobreza de quem quiser ingressar na política ou exercer função pública.

Para o conjunto da sociedade, faz mais sentido (e sai mais barato) assegurar aos interessados uma remuneração compatível com as responsabilidades do cargo, sem mordomias pouco transparentes ou oportunidades adicionais de ganhos financeiros.

O fortalecimento das instituições pressupõe ainda uma mudança de cultura geracional. Os jovens precisam perceber desde cedo que vale a pena fazer a coisa certa, pelos motivos certos.

Não se trata apenas de incutir o medo das consequências negativas, mas de prestigiar as boas condutas pelo reconhecimento da comunidade. O ambiente familiar e a educação escolar têm um papel importante a cumprir na difusão de valores éticos em matéria de convívio social, atuação profissional, atividade empresarial e ocupação de cargos públicos.

Recompensas adequadas poder gerar incentivos mais eficazes, do que a mera punição dos culpados.

Melhor ainda se o arcabouço institucional for capaz de reduzir as tentações de desvios comportamentais.

Não por acaso a guarda dos haréns costumava ser confiada aos eunucos, e não aos santos.

MARIO ENGLER PINTO JUNIOR é professor da FGV Direito e coordenador do mestrado profissional


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