Folha de S. Paulo


Sob pressão, Temer quer convencer de que é preciso ser mais inteligente que afoito

Fotomontagem
BRASÍLIA, DF, 12.09.2016: CARMEN-LÚCIA - O ex-senador e ex-presidente José Sarney na cerimônia de posse da ministra Carmen Lúcia na presidência do STF. (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress)///BRASÍLIA, DF, BRASIL, 30.08.2016. Senador Fernando Collor discursa durante a Sessão do Senado Federal para o julgamento do Impeachment da presidente da República, Dilma Rousseff. (FOTO Alan Marques/ Folhapress) PODER///SÃO PAULO, SP, 20.09.2016: FERNANDO-HENRIQUE - Entrevista com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. (Foto: Marcus Leoni/Folhapress)///(170324) -- SAO PAULO, marzo 24, 2017 (Xinhua) -- El expresidente de Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva (d), participa durante el evento llamado
Da esq. para dir., os ex-presidentes José Sarney, Fernando Collor, FHC, Lula e Dilma

"Não existe ninguém no Brasil eleito sem caixa dois." Preso em Curitiba, Marcelo Odebrecht, ex-presidente e herdeiro do grupo, resumiu nesta frase o impacto que as delações de 78 executivos da empreiteira terão sobre o Palácio do Planalto, o Congresso e as eleições de 2018.

Sob pressão da crise política agravada com a publicidade dos depoimentos, Michel Temer ofereceu ao Congresso o discurso de que a pauta econômica será a tábua de salvação de seu governo e de parlamentares atingidos em cheio pelas investigações.

O cálculo é simples: Temer sabe que a melhora da economia é o que dará viabilidade a seu mandato mas, em dependência quase química com o Legislativo, precisa que deputados e senadores sejam, por ora, mais inteligentes do que afoitos e votem as reformas antes de medidas que possam vir a garantir a sobrevivência da classe política no ano que vem.

A tese de Temer é que as reformas trabalhista e da Previdência impulsionarão os índices econômicos, o que vai melhorar o humor da opinião pública e, somente depois disso, será possível mudar o foco da pauta legislativa.

Pedro Ladeira - 19.abr.2017/Folhapress
O presidente Michel Temer e o juiz federal Sérgio Moro se cumprimentam em solenidade comemorativa ao Dia do Exército, nesta quarta-feira (19) em Brasília.
O presidente Michel Temer e o juiz Sergio Moro, responsável pela Lava Jato

Para o presidente, essa é a receita perfeita para que seu governo se equilibre até 2018 e parlamentares consigam se reeleger, mantendo a prerrogativa de foro privilegiado, fundamental para os 24 senadores e os 39 deputados sob investigação do Supremo.

RESSONÂNCIA

No Congresso, o discurso reverberou. Parlamentares têm repetido que hoje não há clima para a votação de medidas que salvem a pele dos políticos antes de a economia apresentar alguma melhora e que a aprovação da anistia ao caixa dois, por exemplo, não adiantaria para a maioria dos casos.

Dos 98 investigados pelo STF, apenas 30% se enquadrariam no crime eleitoral de não informar à Justiça sobre doações de campanha.

Em conversa com os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Eunicio Oliveira (PMDB-CE), Temer admitiu o estrago causado pelas delações que colocaram 8 de seus 28 ministros —inclusive Eliseu Padilha (Casa Civil) e Moreira Franco (Secretaria-Geral)—, sob investigação do Supremo Tribunal Federal. Mas ponderou que, por ora, não vê clima possível para um enfrentamento com o Judiciário.

Com o discurso de que enfrentar a Lava Jato tem sido um desafio bélico, políticos exercem a mais explícita pressão para tentar limitar as investigações.

Nos bastidores, porém, admitem que a operação é uma mudança de paradigma no modo de fazer política e que não será fácil fazê-la parar.

ABUSO DE AUTORIDADE

Há quem defenda, contudo, que é possível votar as reformas de Temer ao mesmo tempo que medidas para limitar a atuação do Judiciário -um exemplo é o projeto de abuso de autoridade.

A partir disso, a estratégia seria investir em uma reforma política que garanta a sobrevida dos políticos na próxima eleição.

Em encontro com aliados no Palácio da Alvorada, Temer ouviu que a crise gerava sacrifícios apenas para a classe política e que era preciso responder à altura.

O presidente mudou o discurso adotado desde a divulgação das delações e, sem citar a Lava Jato, disse que é preciso "resistir" e não se intimidar.

Foi um aceno para que parlamentares continuem os trabalhos, aprovem as reformas e contem com o Planalto.

A simbiose estabelecida entre governo e Congresso, permeada pelos efeitos das delações da maior empreiteira do país, desembocará justamente em 2018.

Com o cenário político de terra arrasada e os principais postulantes ao Planalto implicados na Lava Jato, abre-se espaço para a renovação nas disputas do próximo ano.

E essa tese apavora os políticos do establishment, que acreditam que um "outsider" ou "aventureiro" poderia desestabilizar de vez o país.

Como mostrou recentemente a Folha, emissários de Temer e dos ex-presidentes Lula e Fernando Henrique Cardoso tentam costurar um pacto para salvar a reputação da classe política.

"Apoiamos as investigações, mas sem a política não há solução'", afirmou à Folha o presidente do PSDB, senador Aécio Neves (MG).

Assim como ele, dois presidenciáveis tucanos estão na lista dos citados nas delações da Odebrecht: Geraldo Alckmin (SP) e José Serra (SP).

Caso a economia não deslanche e outros dois potenciais delatores —Eduardo Cunha (PMDB) e Antonio Palocci (PT)— cumpram as apostas de incluir novos setores empresariais nas investigações, Temer pode chegar a 2018 radioativo, de quem todo mundo vai querer distância.

Lula, por sua vez, réu e investigado na Lava Jato, está com a imagem desgastada, mas ainda é visto como possível candidato, e não só por políticos da esquerda.

Partidos e políticos tradicionais terão que fazer uma transição não só no discurso mas também na prática.

Quem não atravessar essa ponte não irá sobreviver nem mesmo sob um pretenso pacto conduzido pelos principais líderes políticos da história recente do país.


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