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Em defesa de Lula, Bresser pede anistia a caixa dois e 'presentes'

Adriano Vizoni/Folhapress
Bresser Pereira afirmou que, sem anistia a caixa dois e 'presentes', 'desaparecerá a classe política'
Bresser Pereira afirmou que, sem anistia a caixa dois e 'presentes', 'desaparecerá a classe política'

Questionado sobre as acusações contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na Operação Lava Jato, o economista Luiz Carlos Bresser Pereira defendeu anistia ao caixa dois e a "presentes" de valor dados por empresas a políticos.

Ex-ministro nos governos José Sarney e Fernando Henrique Cardoso, ele disse "não ter dúvida de que o PT recebeu dinheiro pelo caixa dois" e que o ex-presidente petista Luiz Inácio Lula da Silva "recebeu presentes".

Mas ponderou que "o caixa dois e presentes elevados faziam parte dos usos e costumes brasileiros. Portanto, retroativamente, não podem ser considerados crimes. Se o forem, desaparece a classe política brasileira –o que seria um grande mal para o Brasil", disse à Folha.

"Por isso, tenho me manifestado pela anistia nesses dois pontos. Ficando claro que, daqui para frente, caixa dois e presentes acima de determinado valor definido na lei serão considerados crimes como já o são as propinas: as trocas de obras ou emendas por dinheiro."

A posição do professor emérito da Fundação Getulio Vargas vem em momento de divisão na esquerda, em parte frustrada com as denúncias envolvendo Lula e o PT de recebimento de propina e enriquecimento ilícito.

O ex-presidente nega as acusações e diz ser vítima de perseguição política.

Amigo de Lula, de quem foi assessor especial no início do governo, Carlos Alberto Libânio Christo, o frei Betto, disse que sua opinião sobre o petista não muda com as delações da Odebrecht.

"O ônus cabe a quem acusa –apresentar provas", afirmou frei Betto.

O ator José de Abreu, defensor das gestões petistas, foi na mesma linha.

"Confio na idoneidade de Lula, investigado há mais de 30 anos sem que nada definitivo tenha saído contra ele, só ilações e um power point ridículo, motivo de chacota nos meios jurídicos. Promotores aecistas evangélicos com o mesmo perfil dos patos da Fiesp", escreveu o ator, por e-mail.

Abreu se referia à apresentação da força-tarefa da Lava Jato em setembro passado que denunciou o ex-presidente por corrupção e lavagem de dinheiro.

Sobre o codinome "Amigo" que Marcelo Odebrecht e outros delatores da empreiteira relataram usar para se referir a Lula, José de Abreu disse ser "impossível acreditar" numa conta que o titular desconhecia.

"Nenhuma movimentação financeira, nenhuma conta bancária, nenhuma prova, só conversa. Bem diferente do Serra, Aécio, Alckmin. Movimento de R$ 13 milhões 'cash' numa pasta? Só pode ter sido gozação. A pasta teria que ter o tamanho de uma Kombi para caber a dinheirama", afirmou o ator.

Ele fez um haikai sobre o tema: "Hai Kai / Os patos, tadinhos, / Acreditaram nas pedaladas e / nos pedalinhos".

Acusado de ter recebido um saldo de R$ 40 milhões em propina da Odebrecht, Lula é objeto de uma avalanche de comentários entre intelectuais e jornalistas de esquerda.

Para Bresser Pereira, "a história de R$ 40 milhões 'à disposição de Lula' não faz sentido".

A psicanalista Maria Rita Kehl disse à Folha ter se frustrado com "a pessoa" do Lula, não com o governante.

"Lula foi o melhor presidente que esse país já teve, sem dúvida, e isso não muda", afirmou. "É claro que é muito decepcionante que ele tenha sido delatado na Lava Jato."

Em sua análise, o modelo de Estado brasileiro faz com que entrar para a política pareça "ascensão social" para muitos indivíduos. Os privilégios a que um político tem direito no poder são, para Kehl, distorcidos.

"Para um servidor público, servir o público fica lá no fim da fila", criticou.

"A decepção é muito maior com alguém de quem você esperou tanto, que prometeu tanto. Aí não adianta ele invocar 'mas eu fiz tanto por esse país'. Justamente porque fez tanto por esse país, não era para ter nada contra ele."

Para o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, Lula não se beneficiou pessoalmente.

"Eu conheço o Lula, nunca vi ele levar vantagem pessoal. Mas é claro que se envolveu nos negócios do Estado e das empresas, porque elas têm uma relação muito próxima do Estado, como FHC, como todos, porque é uma coisa complicada."

Para ele, as delações revelam "um processo agudo, amplo e inadequado: as empresas invadiram o Estado".

Segundo Belluzzo, a relação do Estado com a iniciativa privada é anterior à ditadura militar. "É muito mais que uma relação de exterioridade, é umbilical, mais profunda".

Os delatores da Odebrecht afirmaram que a empresa pagou mesadas ao irmão do ex-presidente, ajudou o seu filho a impulsionar a carreira e reformou um sítio como presente ao ex-presidente, entre outras menções, em troca do apoio do petista em questões de interesse da empresa no governo e fora do país.

Em uma das passagens de sua delação, o patriarca do grupo, Emílio Odebrecht, relatou ter dito a Lula que o "pessoal dele estava com a 'goela muito grande'". "Estavam passando de 'jacaré para crocodilo'", afirmou.

Emílio disse que parte dos recursos era repassada via caixa dois.

Seu filho Marcelo Odebrecht, ex-presidente da empreiteira, disse que, a pedido do ex-ministro Antonio Pallocci, foi aberta uma conta para "atender demandas que viessem de Lula". Inicialmente, ele falou em R$ 35 milhões e depois em R$ 40 milhões.

OUTRO LADO

A assessoria do ex-presidente rebate, uma a uma, as acusações. Afirma que ele desconhece a conta com milhões de reais que teria sido aberta para seu uso.

Segundo a assessoria de Lula, os depoimentos "estão sendo manipulados para falsificar a história do governo Lula".

"Insistem em tratar como crime, ou favorecimento, políticas públicas de governo voltadas para o desenvolvimento do país e aprovadas pela população em quatro eleições presidenciais."

A assessoria do petista afirmou que o ex-presidente nunca pediu valor indevido à Odebrecht.


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