Folha de S. Paulo


'Rezo todos os dias para não ter que cassar um colega', diz deputado

Pedro Ladeira/Folhapress
BRASILIA, DF, BRASIL, 11-04-2017, 20h00: O novo presidente do Conselho de Ética da câmara, deputado Elmar Nascimento (DEM-BA) (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress, PODER)
O novo presidente do Conselho de Ética da câmara, deputado Elmar Nascimento (DEM-BA), durante entrevista à Folha.

Deputado federal de primeiro mandato, o baiano Elmar Nascimento (DEM), 46, foi eleito na semana passada presidente do Conselho de Ética da Câmara dos Deputados em uma articulação apontada por colegas como o primeiro passo na tentativa de barrar a cassação de dos alvos da Operação Lava Jato.

Elmar não integrava o conselho e sua candidatura foi colocada às vésperas da instalação da nova composição do órgão, responsável por analisar pedidos de suspensão de mandato dos parlamentares.

O deputado, que venceu Sandro Alex (PSD-PR) por 11 votos a 9, é do mesmo partido do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), um dos investigados pelo Supremo Tribunal Federal com base na delação da Odebrecht.

À Folha Elmar defende a Lava Jato, mas prega "punição exemplar" a delatores que não provarem acusações.

Ele nega proximidade com o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ), preso em Curitiba. E afirma que se pautará pela discrição –o que corrobora a crítica de Cunha de que o antigo comando do conselho buscava os holofotes da imprensa.

Questionado por que teve apoio de última hora dos colegas, Elmar disse que estavam seguros de que ele se guiará pelos princípios do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório.

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Folha - A primeira lista de investigados no Petrolão surgiu há mais de dois anos e apenas três deputados viraram réus. O sr. acha que essa nova lista seguirá o mesmo ritmo?

Elmar Nascimento - Dessa lista a gente não conhece nada. Fica difícil opinar. Acho que esse juízo de valor quem terá de fazer é quem tem a titularidade de representar contra os parlamentares no conselho, que são os partidos representados aqui na Casa.

Mas qual é a opinião do sr.? É cabível admitir o processo no conselho a partir da investigação. É preciso que o político seja denunciado pelo Ministério Público, vire réu?

É preciso analisar caso a caso. Tem gente em que há um simples indício e que pode haver prova contundente. Não dá para avaliar sem ter acesso aos autos.

Ser acusado por um ou mais delatores é motivo, na visão do sr., para que seja admitido um processo de cassação?

É fundamental para que você investigue e chegue à condenação de eventuais desvios a partir da delação premiada.

Agora, é preciso se proteger também a presunção da inocência. Por conta disso, na hora que você homologa uma delação premiada, ela tem que ser consubstanciada no compromisso do delator de comprovar os fatos que atingem a pessoa.

E sou daqueles que defendem que quem não conseguir provar tem que ser punido exemplarmente, sob pena que se assaque contra a honra alheia. A classe política, sobretudo, vive de imagem, e são irrecuperáveis essas coisas que são criadas com relação à reputação das pessoas.

Que a avaliação o sr. faz da condução da Lava Jato?

Eu venho do ramo do direito, e é muito difícil emitir opinião de projetos que a gente conhece. Do ponto da vista da própria moralidade, é de extrema necessidade a existência da Lava Jato. O Brasil é outro país depois da existência da Lava Jato. Sob esse aspecto, a gente tem que aplaudir.

Sobre excessos, eu desconheço, porque as decisões do Judiciário, depois de submetidas a recursos, em 99% [dos casos] têm sido mantidas, ou seja, o sistema Judiciário brasileiro tem funcionado bem. A avaliação é que as decisões de Curitiba, do juiz Sergio Moro, estão corretas, porque senão teriam sido anuladas em instâncias superiores.

O sr. é da Bahia. Teve relação com a Odebrecht ou a OAS?

Tive. Denunciei [as empresas] por um esquema muito grande em relação à construção da Arena Fonte Nova.

Mas teve alguma relação financeira, recebeu doação?

Não conheço ninguém.

O sr. é do mesmo partido de Rodrigo Maia, um dos investigados, além de outros integrantes de seu partido. Isso não cria constrangimento?

Nenhum, zero. Até que se prove o contrário, eu os tenho como pessoas de reputação absolutamente ilibada.

Aliás, tem na lista pessoas que a gente estranha. Por exemplo, uma das pessoas que a gente tem o melhor conceito aqui na Casa, o ex-governador de Pernambuco Jarbas Vasconcelos (PMDB). Para mim, causa espécie. E posso citar outros do nosso partido, o próprio Onyx Lorenzoni (DEM-RS), integrante do Conselho de Ética, está aí sempre entre um dos paladinos da defesa intransigente da ética.

Então temos que ter muito cuidado em relação a isso porque todo o passado dele o recomenda bem.

Sandro Alex (PSD-PR) e Júlio Delgado (PSB-MG), integrantes do Conselho, falam que sua eleição contribui para a blindagem dos alvos da Lava Jato. Alex disse ter ouvido do sr. que colegas pediram que se candidatasse para "resolver a questão". Que questão é essa?

A questão é a seguinte: você tem que ter a consciência de que os membros do Conselho de Ética, e mais ainda o presidente, têm que ter imparcialidade e discrição, além de independência e saber jurídico.

Esse perfil que demonstrei ter, o desempenho que tive na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara e o relacionamento que criei com os colegas dão a segurança de que eu possa conduzir os processo com absoluta isenção.

É claro que todo parlamentar gosta de imagem, gosta de imprensa. Mas eu tenho que ter a convicção de que tenho que me manifestar sobre a instrumentalização dos processo, nunca sob o mérito. Sob pena de ficar impedido e de conduzir mal.

E meu perfil, todos sabem, não é o de quem procura aparecer, seja para beneficiar, seja para prejudicar. Vocês vão acompanhar o meu desempenho e vão ver que será como se tivesse um magistrado sentado. Vou instrumentalizar, vou instruir, obedecer a Constituição, o regimento da Câmara e o Código de Ética. Principalmente, o princípio do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório.

O que é preciso para abrir um processo de cassação?

Depende muito do conjunto probatório que venha na representação. Só o relator pode falar. É sempre bom que, o mais rápido possível, a gente dê uma satisfação à sociedade, mas às vezes a pressa é inimiga da perfeição. O processo mais longevo foi o do ex-presidente da Casa [Eduardo Cunha], isso foi fundado em erros processuais que acabaram atrasando.

O sr. iria dar parecer favorável a Cunha em recurso na Comissão de Constituição e Justiça?

Confesso que tinha o relatório pronto, é uma regra regimental de que a um membro da comissão é dado o direito de pedido de vista. E foi negado a ele. Quando você nega um pedido de vista por causa de 24 horas, pode causar uma nulidade, como causou, e o processo atrasar dois ou três meses. O certo é se cercar de garantias para evitar nulidades. Vocês vão ver que eu não vou errar para dar margens a recursos.

O sr. foi procurado por Eduardo Cunha ou por alguém ligado a ele para falar sobre esse processo na ocasião?

Não.

O sr. se considera um aliado dele, conhecia ele?

Eu o conheci em Salvador, em um evento com 20 deputados, ele pedindo voto [para a presidência da Câmara, em 2015]. Votei nele porque meu partido fechou. Depois de tudo o que aconteceu, votei para cassá-lo.

O sr. espera recomendar a cassação de algum deputado em sua gestão [dois anos de mandato no conselho]?

Sou um homem temente a Deus, acredito em Deus, e rezo todos os dias para que não tenha a necessidade de cassar mandato de nenhum colega, nenhum deputado.

É o tipo da coisa que a gente torce para não chegar, mas temos a exata noção e dimensão da responsabilidade que nós temos. E nós vamos cumprir nosso dever na hora que esse dever se apresentar, seja ele qual for. Não falo só no meu nome, mas no dos companheiros que tenho a honra de liderar no conselho.

ORIGEM

Campo Formoso (BA), 1970

FORMAÇÃO

Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Salvador, em 1992

CARREIRA

Filiou-se ao PMDB em 1989, partido em que se elegeu vereador de Campo Formoso, de 1997 a 2000, e deputado estadual, de 2003 a 2007. Foi reeleito em 2006, pelo PL. Em 2010, venceu o terceiro mandato na assembleia estadual pelo PR. Em 2014, chegou à Câmara Federal pelo DEM


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