Folha de S. Paulo


PGR e PF discordam em acordos de delação de marqueteiros

Os acordos de delação premiada dos marqueteiros Duda Mendonça e João Santana expuseram a disputa entre a Polícia Federal e o Ministério Público Federal em torno da competência dos órgãos para tratar de colaborações.

Duda firmou acordo com a PF, em Brasília, e Santana assinou com a Procuradoria-Geral da República.

Fotomontagem
SÃO PAULO, SP, BRASIL, 12.06.2013 - O publicitário Duda Mendonça durante entrevista exclusiva para o portal UOL e a Folha de S.Paulo, em São Paulo (SP). (Fotos: Victor Moriyama/Folhapress)//Joao Santana, Brazilian President Dilma Rousseff's campaign chief, is escorted by federal police officers as he leaves the Institute of Forensic Science in Curitiba, Brazil, February 23, 2016. REUTERS/Rodolfo Buhrer ORG XMIT: BRA106
Os marqueteiros Duda Mendonça (esq.) e João Santana

Policiais envolvidos nas negociações afirmam nos bastidores que a PGR tem mantido uma postura seletiva, recusando propostas que fujam do foco da Lava Jato.

Destacam que, logo após a delação de Duda ser celebrada, a PGR anunciou as colaborações de Santana e de sua mulher, Mônica Moura.

A procuradoria nega esse comportamento e alega que, se o eventual colaborador não for contribuir para o processo, é "legal" não celebrar acordo. "Pois não haverá interesse mútuo", disse à Folha a PGR.

Duda Mendonça transformou-se no caso mais emblemático do cabo de guerra que se criou entre as duas instituições. A homologação de sua delação depende do ministro Edson Fachin, do STF (Supremo Tribunal Federal).

O marqueteiro procurou mais de uma vez o Ministério Público, em Brasília, mas as conversas não avançaram. Passou então a negociar com a PF.

Dentro da polícia, segundo a Folha apurou, adotou-se o discurso de que o acordo com a PGR não avançou porque poderia contradizer pontos da narrativa que vem sendo contada até agora por delatores da Odebrecht.

A PGR nega: "A amplitude da investigação, que já conta com mais de 1.500 procedimentos instaurados em diversas instâncias judiciais, mostra que não há seletividade na atuação do Ministério Público Federal na condução desse e de outros casos".

"Em investigações complexas, a polícia nem sempre tem conhecimento de todas as provas que o Ministério Público recolheu e, portanto, não pode avaliar se as informações oferecidas por eventual colaborador interessam ao desenvolvimento das investigações", ressalta.

A PGR pede ao STF a inconstitucionalidade da lei que diz que a polícia pode fazer acordos de delação. O caso está com o ministro Marco Aurélio, que negou liminar e deve levar o tema a plenário.

Publicamente, a direção da polícia não confirma essa posição de crítica sobre a procuradoria, mas defende o direito de a PF celebrar acordo.

Em nota enviada à Folha, o superintendente regional da PF do DF, delegado Élzio Vicente da Silva, disse que polícia prevaricaria se recusasse a ouvir um colaborador que buscasse a instituição.

Para ele, a PF trata a colaboração "com parcimônia, com critério, sopesando sua motivação, sua credibilidade, a competência da fonte para fornecimento do dado".

O superintendente cita a lei de delação premiada e afirma que "tanto a polícia, quanto o MP podem realizar o acordo de colaboração."

Duda Mendonça, por exemplo, dá sua versão sobre o pagamento de R$ 10 milhões da empreiteira à campanha 2014 de Paulo Skaf (PMDB) ao governo de São Paulo, fato também narrado por delatores da empreiteira, como o ex-presidente e herdeiro Marcelo Odebrecht. Na avaliação da polícia, as informações trazidas pelo marqueteiro podem ser úteis para preencher pontas de histórias que tinham só um lado fechado até agora.

TRANSAÇÃO PENAL

Tribunais de Justiça terão de decidir se confirmarão os benefícios fixados pela PGR a delatores da Odebrecht.

Colaboradores que já eram réus em processos fora da Lava Jato tentam usar o acordo de delação homologado pelo STF para se livrarem de novas condenações.

O assunto expõe mais uma divergência entre Ministério Público e Polícia Federal.

A PF defende que a definição da pena tem que ocorrer após a comprovação da efetividade da delação, mas a PGR vem adotando a prática de definir as punições nas tratativas dos acordos.

Essa é principal crítica dos policiais em relação aos procuradores. Eles afirmam que a procuradoria parte da premissa "de que a colaboração é uma forma de transação penal".

Em nota, o superintende da PF do Distrito Federal Élzio Vicente da Silva afirma que "quando o MP estabelece e oferece benefícios acertados nessas tratativas em troca de informações não checadas, surge a possibilidade de o pretenso colaborador se beneficiar ainda que fornecendo elementos já existentes na investigação, falsos, ou ocultando dados de relevo".

A PGR, porém, defende que as penas devem ser definidas na negociação porque "a colaboração produz efeitos na investigação, no processo penal e na execução penal". Diz ainda que a prática que tem sido aceita pelo STF.

"No modelo adotado pela PF, o réu abre mão de direitos sem qualquer garantia no processo, já que a autoridade policial não pode garantir nada relativo à pena estabelecida no processo", afirma em nota.


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