Folha de S. Paulo


Principais obras do Rio geraram repasses de R$ 152,75 mi para políticos

Rafael Andrade/Folhapress
O governador do Estado do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral Filho, aguarda sua vez de falar durante evento na Federacao das Indústrias do Rio de Janeiro (FIRJAN) para o seminário Mapa do Desenvolvimento, no centro do Rio de Janeiro. (Rio de Janeiro (RJ). 20.08.2007. Foto de Rafael Andrade/Folhapress)
O ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral (PMDB)

Logo que Sérgio Cabral (PMDB) foi eleito governador do Rio, em 2006, um ousado plano de obras que prometia mudar a cara do Estado foi aos poucos tirado do papel.

As obras da reurbanização de favelas, com a construção de conjuntos habitacionais e saneamento, a expansão do metrô e até uma grande obra viária, que facilitaria o transporte de cargas na região metropolitana. Nesse bojo entrariam mais tarde as obras vinculadas à Copa do Mundo e a Olimpíada.

Segundo delatores da Odebrecht, as principais obras do Rio supostamente tiveram repassaes de recursos ilegais com destino a Cabral e membros da elite política do Rio, como o atual governador do Estado, Luiz Fernando Pezão (PMDB), o ex-prefeito Eduardo Paes (PMDB) e o deputado federal Júlio Lopes (PP), do mesmo partido do atual vice governador Francisco Dornelles. Os envolvidos negam irregularidades.

Ao menos três delatores da Odebrecht citaram repasses, seja por meio de caixa dois em campanhas, seja por propina ou mesadas ao então governador. Somados, os valores atingem R$ 152,75 milhões, a maior parte dos quais repassada a Cabral.

A Odebrecht teve participação em obras como a reforma do estádio do Maracanã, a estação de metrô em frente ao estádio, a construção da Linha 4 do metrô, a obra do Parque Olímpico, o chamado PAC das Favelas, e a obra viária do Arco Metropolitano. Até mesmo as obras emergenciais de casas de vítimas do desastre da serra, em 2011, teriam tido desvios.

ELEIÇÃO

O delator Benedicto Júnior, BJ, presidente da Odebrecht Infraestrutura, afirma que em 2006 foi procurado por Cabral, ainda na condição de candidato ao governo.

Ele teria dito que pretendia estreitar laços com a construtora, e ali foi acertado uma doação declarada de R$ 100 mil e outros R$ 3 milhões via caixa dois.

Após eleito, Cabral teria procurado a Odebrecht alegando ter uma fatura de R$ 12 milhões que teria sobrado para pagar de suas contas de campanha.

O executivo diz que inicialmente não concordou com o pagamento, mas como tinha interesses em obras no Estado, acertou que o valor seria pago em parcelas mensais de R$ 1 milhão.

Benedicto Júnior relata que três meses após eleito, os dois conversaram sobre "um grande plano de obras no Estado" que estaria sendo elaborado pelo governador, em reunião no Palácio Guanabara, sede do governo.

Ali teria sido apresentado o plano de Cabral de cobrar 5% de propina de todos os contratos no Estado, pedido que desagradou a Odebrecht, relatou o delator.

"Eu falei 'governador, eu preciso primeiro ver os projetos. Nós temos uma agenda e não posso me comprometer antes de ver os projetos'", relatou Benedicto.

Cabral teria apresentado o primeiro projeto da parceria, o PAC da Favelas, que prometia a construção de conjuntos habitacionais, teleférico, planos inclinados e reurbanização de vias em locais como Rocinha, Alemão e Manguinhos.

A Odebrecht atuou no Alemão. O teleférico construído no local não está funcionando por falta de pagamento. A comunidade ainda sofre com a violência e falta de saneamento básico.

Segundo a contabilidade da empresa, Cabral levou ao todo cerca de R$ 100 milhões em propina da empreiteira de 2006 a 2014. A Odebrecht não aceitou o percentual de 5% exigido pelo governador. Os repasses eram, então, discutidos contrato a contrato.

Outras obras da empresa não saíram com o planejado. Enquanto concessionária do Maracanã, por exemplo, a Odebrecht tenta devolver o contrato em função dos prejuízos da operação.

O Arco Metropolitano, obra viária que liga as principais rotas da região metropolitana com as principais avenidas da capital, é evitada pelos motoristas devido aos constants assaltos e roubos de carga.

O Parque Olímpico, que supostamente teria gerado propina para Eduardo Paes, está parado a espera de interessados em administrar os equipamentos esportivos.

DOAÇÃO

Em uma das conversas relatadas por Benedicto Júnior, ocorrida no primeiro trimestre de 2014 dentro da sede do governo, Cabral teria pedido que a Odebrecht ajudasse na campanha de Pezão, vice-governador e àquela época e seu candidato a sucessão.

Teria sido acertado naquele momento um depósito de R$ 20,3 milhões de caixa dois à campanha de Pezão, além de um pagamento de 800 mil euros à empresa do marqueteiro Renato Pereira, a Prole.

Júnior explica que parte do dinheiro enviado ao Pezão foi abatido de valores de propina "devidos a Cabral", referentes especificamente às obras da Linha 4 do metrô, da construção da estação General Osório do metrô e de casas dos desalojados da tragédia da serra, em 2011.

Os pagamentos ou eram feitos em escritórios da Prole, em contas no exterior ou a emissários indicados por Wilson Carlos e Hudson Braga, secretários do governo e os responsáveis pela arrecadação da campanha de Pezão. Carlos e Braga estão presos atualmente, no escopo da Lava Jato no Rio, assim como Cabral.

Benedicto Júnior disse, porém, que embora tenha atendido pedido de Cabral, nunca teve nenhuma conversa sobre os valores com Pezão. "Se foi mesmo para a campanha, eu não saberia dizer", disse. Tanto Cabral quanto Pezão eram identificados pelo apelido de Proximus nas planilhas da empresa.

A linha 4 do metrô também teria gerado repasses ao deputado federal Júlio Lopes, enquanto ele ocupava o posto de secretário de Transportes no governo de Cabral.

Lopes, segundo delação da Odebrecht, teria levado propina para não causar problemas nas obras da Linha 4 do metrô, que ligou a zona sul à Barra da Tijuca, zona oeste, projeto que integra o chamado legado olímpico.

Lopes teria recebido R$ 1,7 milhão, segundo afirmou o delator Marcos Vidigal.

OLIMPÍADA

Ainda segundo o delator, o ex-prefeito Eduardo Paes teria recebido R$ 11,6 milhões de caixa dois em sua campanha à reeleição, em 2012. Outro montante, de US$ 5,75 milhões (R$ 18,05 milhões na cotação da última quinta-feira) teria sido depositado em contas no exterior.

"Eu achei o valor um pouco fora, mas tendo em vista a projeção de negócios que nós tínhamos no Rio de Janeiro, achei que deveria fazê-lo", declarou.

A Odebrecht acabou pegando, em consórcio com outras empresas, as obras do Parque Olímpico e do Porto Maravilha. Em sua delação, porém, Benedicto Junior diz que não pode garantir que o prefeito "escolheu" a empresa para as obras.

A Odebrecht já havia ajudado a eleger Paes em 2008, com uma doação de R$ 1,1 milhão via caixa 2.

OUTRO LADO

A defesa de Sérgio Cabral disse que só irá se pronunciar nos autos do processo. O governador Luiz Fernando Pezão disse, em nota, que "nunca recebeu recursos ilícitos e jamais teve conta no exterior". Disse ainda que "as doações para a campanha foram feitas de acordo com a Justiça eleitoral".

O ex-prefeito Eduardo Paes negou que tenha aceitado propina para facilitar ou beneficiar os interesses da empresa Odebrecht e ressalta que nunca teve contas no exterior.

A reportagem ainda não conseguiu contato com Júlio Lopes.


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