Folha de S. Paulo


Para manter concessão, Odebrecht diz ter pago caixa dois 'de baciada' no RS

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14.03.2017, Camara municipal de Uruguaiana, RS. Credito Secom ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
Câmara Municipal de Uruguaiana (RS) durante sessão

Para evitar problemas políticos em um contrato da área de saneamento na cidade de Uruguaiana (RS), a Odebrecht abandonou o varejo e partiu direto para o atacado: bancou de uma só vez 5 dos 11 vereadores da cidade.

A empresa só não fez maioria na Câmara porque um sexto candidato não conseguiu se eleger – teve 200 votos a menos que o necessário.

A operação estruturada nem saiu tão cara, comparada a outros pagamentos que fez por meio de caixa dois: variaram de R$ 25 mil a R$ 30 mil por vereador, segundo os delatores do grupo.

O objetivo do investimento foi explicado por Paulo Roberto Welzel, então responsável pela Odebrecht Ambiental na região Sul, em depoimento ao Ministério Público.

"[A empresa] é a concessionária municipal de água e esgoto e, visando nos resguardar contra futuros entraves indevidos à nossa operação, identifiquei os candidatos [que deveriam receber]."

Ele e outro executivo do grupo – Fernando Reis, ex-presidente da empresa – relataram ter feito, em 2012, doações via caixa dois de R$ 170 mil para quase metade da Câmara de Uruguaiana, cidade de 130 mil habitantes.

A operação no atacado se refletiu até nos codinomes anotados em planilha da empresa: os alvos foram identificados, todos eles, como "Bacia". E numerados de 1 a 6.

À época, todos eram do PP e do PSDB, siglas da base aliada do então prefeito, o tucano Sanchotene Felice –que fez seu sucessor, Luiz Schneider, do mesmo partido.

Para assegurar tranquilidade também no Executivo, Schneider, que recebeu a alcunha de "Poste", e mais dois rivais receberam doações de caixa dois, segundo os delatores. O tucano recebeu R$ 100 mil.

A Folha procurou o diretório do PSDB no Rio Grande do Sul na sexta-feira (14), mas não conseguiu contato. Também entrou em contato com a Câmara, mas foi informada de que os gabinetes estavam vazios por causa do feriado.

VACINA

Segundo Reis, as doações são uma espécie de "vacina ao achaque" e se tornaram prática da empresa.

"Tem sempre essa ameaça de: 'vou cancelar seu contrato'. Isso afeta muita coisa. Adotamos como conceito contribuir pra manter contrato. Parece absurdo, mas estávamos pagando pra cumprir a lei", explicou em um dos depoimentos.

Elas se tornaram, diz o ex-presidente da Odebrecht Ambiental, praxe no modus operandi da empresa. Ele conta que, em uma cidade do interior paulista, o grupo decidiu contribuir apenas com um dos candidatos à prefeitura – que acabou derrotado.

No primeiro dia de mandato, o rival anunciou que encerraria a concessão – o que acabou não acontecendo.

No caso da Câmara de Uruguaiana, o tiro do caixa dois quase saiu pela culatra, mas conseguiu ser controlado: os vereadores chegaram a instalar uma comissão para investigar o contrato da Odebrecht Ambiental com a prefeitura.

"Mas tive notícias agora, pelos meus colegas, de que foi concluída essa CPI pela regularidade da concessão", afirmou Welzel aos investigadores, algo constrangido.

O Ministério Público até quis saber se a empresa tinha operado para emplacar relator ou membros da comissão, mas Welzel não soube dizer.

O pulso firme contra a empresa é, aliás, usado pela turma da bacia para dizer que as acusações são falsas.

OUTRO LADO

Um dos vereadores acusados pela empresa é o hoje prefeito Ronnie Mello (PP) – ou "Bacia 5", segundo a alcunha recebida na planilha.

Em vídeo publicado em suas redes sociais, ele diz ter sido "pego de surpresa". "Estarei adotando as medidas judiciais cabíveis. Jamais cometi ato ilícito tampouco recebi recursos de forma irregular."

Ele diz também que, desde que assumiu a prefeitura, já aumentou a fiscalização sobre a Odebrecht e solicitou a suspensão de aditivo assinado pelo antecessor. "Quem não deve não teme, tampouco toma atitudes severas como estamos tomando."

Também por meio de vídeo em suas redes, Rafael Silva (ex-PSDB hoje no PMDB) – o Bacia 1 – nega as acusações. "Não recebi nada. Se o partido ou o governo recebeu não sei. Posso falar por mim", diz.

A Folha não conseguiu contato com os outros vereadores acusados: Fernando Malfussi (Bacia 2), Egidio Carvalho (Bacia 3), Josefina Soares (Bacia 4) e Jussara Osório (Bacia 6).


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