Folha de S. Paulo


Especialistas divergem sobre possibilidade de investigar presidente

Pedro Ladeira/Folhapress
Michel Temer participa de assinatura de atos em prol das mulheres. Ao lado dele o Ministro da Justiça Osmar Serraglio e dos Direitos Humanos, Luislinda Valois, no Palácio do Planalto
O presidente Michel Temer (PMDB) em cerimônia no Palácio do Planalto

Não é consensual entre especialistas do direito o entendimento de que o presidente Michel Temer (PMDB) não pode ser investigado.

O peemedebista é citado por delatores em dois episódios usados pelo Procurador-Geral, Rodrigo Janot, nos pedidos de abertura de inquérito contra outros políticos.

Num deles, Janot descreve que aqueles citados devem ser investigados "com exceção do atual presidente da República, Michel Temer" que "possui imunidade temporária à persecução penal".

O artigo 86 da Constituição Federal descreve que "o Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções".

"Atos estranhos" são tanto crimes comuns (um homicídio, por exemplo) como aqueles cometidos antes do exercício da função, caso das suspeitas levantadas agora.

A divergência entre operadores e estudiosos do Direito é de interpretação da norma.

"A Constituição preserva a estabilidade institucional, e por isso o presidente não pode ser denunciado por crimes comuns. Mas isso não impede que ele seja investigado", avalia Celso Três, procurador que atuou no Banestado, a megalavagem de dinheiro desmontada nos anos 1990 no Paraná, que inspirou procuradores da Lava Jato.

"Não existe no Estado democrático o impedimento de apuração. Até porque é preciso preservar provas. E isso pode ser favorável ao presidente. Provas podem indicar o arquivamento do caso ao invés de arrastar uma suspeição até o final do mandato."

Para Três, há incoerência de Janot ao "dizer que não se pode investigar e permitir delação relativa ao presidente".

"Delação já é um ato de investigação", afirma.

Já para o professor de processo penal da USP Gustavo Badaró, Temer não pode ser investigado porque inquérito já é uma etapa da responsabilização. "O objetivo da Constituição é evitar uma pressão, talvez indevida, sobre o presidente por fatos que não digam respeito a seu mandato."

Para Leandro Galuzzi, ex-juiz auxiliar do STF, "a investigação de Temer seria em si um constrangimento". "A gente pode até discordar, mas a regra é essa", sentencia.

Badaró explica que essa salvaguarda é parte dos mecanismos de freios e contrapesos entre os Três Poderes. "Evita que o Judiciário possa afastar um presidente."

Segundo ele, a mesma lógica foi aplicada a Dilma Rouseff (PT), quando as pedaladas fiscais ocorridas no primeiro mandato não foram consideradas no impeachment após sua reeleição.

O professor de direito constitucional da PUC-SP Pedro Estevam Serrano admite que o texto constitucional permite duas interpretações, mas que "a correta é de que o presidente pode e deve ser investigado para a coleta das provas, mas não pode ser processado".

Ele cita despacho de 2015 do ministro Teori Zavascki, morto em janeiro de 2017, no qual ele escreve que "a cláusula de exclusão da responsabilidade prevista no artigo 86 da Constituição [...] não inviabiliza, se for o caso, a instauração de procedimento meramente investigatório, destinado a formar ou a preservar a base probatória para uma eventual e futura demanda contra o Chefe do Poder Executivo".


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