Folha de S. Paulo


Renan Calheiros recebeu R$ 500 mil em espécie, diz Odebrecht

Eraldo Peres - 7.dez.2016/Associated Press
O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), réu de ação penal que corre no STF
O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL)

O ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no STF (Supremo Tribunal Federal), autorizou a abertura de um inquérito para investigar os senadores Renan Calheiros (PMDB-AL) e Fernando Bezerra (PSB-PE), além do governador de Alagoas Renan Calheiros Filho (PMDB).

O pedido para investigar os políticos feito pela PGR (Procuradoria-Geral da República) cita os depoimentos dos delatores da Odebrecht Ariel Parente, Alexandre Biselli, Cláudio Melo Filho, Fabiano Munhoz, Benedicto Barboza Júnior e João Pacífico.

A informação foi revelada pelo jornal "O Estado de S. Paulo", que também tornou público o despacho de Fachin assinado na segunda-feira (4).

A abertura dos inquéritos não implica culpa dos investigados. A partir da decisão, os investigadores e os advogados apresentam provas para determinar se há indício de autoria do crime ou não.

Depois disso, o Ministério Público decide se apresenta uma denúncia ou pede o arquivamento do inquérito. Se a denúncia for apresentada e aceita pelo Supremo, o investigado se torna réu e passa a ser julgado pelo tribunal.

Segundo a PGR, os delatores narraram tratativas realizadas em 2009 e 2010 com Ricardo Aragão, interlocutor do Secretário de Infraestrutura do Estado de Alagoas à época, para realizar um acordo entre as empresas que participariam da construção do canal do sertão alagoano.

"Houve a solicitação de pagamento de propina a diversos agentes públicos, dentre eles o então governador do Estado de Alagoas, Teôtonio Vilela (PSDB), ao então secretário Marco Antônio Fireman e a Fernando Nunes, fixando-se o percentual de de 2,25% do total do contrato", diz o documento.

Além desses pagamentos, os delatores relataram o repasse de R$ 500 mil em espécie a Renan Calheiros. O fato, segundo a delação, foi tratado em reunião com o político no Hotel Radisson, em Alagoas.

A quantia foi disponibilizada pela Odebrecht por meio do setor de operações estruturadas, área responsável por pagamentos de propina e caixa 2 da empreiteira.

Em relação ao deputado Fernando Bezerra, os delatores da Odebrecht relataram que ele pediu R$ 1 milhão em 2013 na época em que era Ministro de Integração Nacional. A solicitação estaria atrelada a liberação de verbas para obras do canal do sertão alagoano.

A solicitação partiu de Iran Padilha, intermediário do então ministro, que recebeu o montante, segundo os delatores.

Também foram noticiadas doações ao então candidato ao governo do Estado de Alagoas, Renan Calheiros Filho. No despacho, fica claro que para a PGR há indícios de que o dinheiro recebido pelos políticos era propina.

Esses depoimentos basearam a primeira operação policial com diligências assinadas pelo STF, a Satélites, deflagrada em março.

Naquela data, foram cumpridos mandados em Pernambuco, Rio de Janeiro Bahia, Alagoas Distrito Federal envolvendo pessoas ligadas aos senadores Renan Calheiros (PMDB-AL), seu filho Renan Calheiros Filho, o deputado Fernando Bezerra, além dos senadores Valdir Raupp (PMDB-RO) e Eunício de Oliveira (PMDB-CE).

Os políticos, porém, não foram atingidos diretamente por essa fase, que não incluiu pessoas com foro privilegiado.

COM JUCÁ

Uma outra autorização de inquérito de Fachin atinge Renan e o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR).

Neste caso, o pedido da PGR se baseia nas delações do ex-presidente da Odebrecht Marcelo Odebrecht e dos ex-executivos Cláudio Melo Filho e José de Carvalho Filho.

Os representantes da empreiteira afirmaram em seus depoimentos terem feito pagamento de R$ 5 milhões a Jucá, que dizia falar também em nome de Renan, para que os parlamentares defendessem interesses do grupo no Congresso.

Segundo as colaborações, Marcelo Odebrecht negociou diretamente com o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega a edição da Medida Provisória 627/2013 com o objetivo de obter benefícios fiscais que favoreceriam subsidiárias da empreiteira que atuavam no exterior.

Também teria havido, em um segundo momento, atuação no Congresso com o intuito de realizar ajustes na legislação no momento da conversão da medida provisória em lei.

PAI E FILHO

Fachin autorizou ainda a abertura de uma investigação para apurar acusações contra o senador e seu filho, governador de Alagoas, Renan Filho, com base em acusações de Cláudio Melo Filho, ex-vice-presidente de Relações Institucionais da empreiteira.

Para a PGR (Procuradoria-Geral da República), há indícios de propina nos repasses realizados para os políticos.

De acordo com a delação, a Odebrecht autorizou o pagamento de R$ 1,2 milhão por doação oficial ao PMDB, dos quais ao menos R$ 800 mil foram transferidos para Renan Filho.

Os depoimentos de Melo Filho sustentam que o dinheiro foi dado após aprovação de legislação favorável aos interesses da empresa na área de energia, na qual atua a Braskem S/A.

"Após o implemento das doações, a MP 677/2015 foi convertida na Lei 13.182/15, anotando-se que o Senador da República Renan Calheiros, à época, exercia a Presidência do Senado Federal e, pela relevância da matéria para a Braskem S/A, o grupo compreendeu adequada a efetivação do pagamento solicitado", diz trecho do documento de Fachin.

Na colaboração, Melo Filho afirma ter havido uma reunião com a presença do senador, na qual ele solicitou dinheiro para a campanha do filho. A compreensão do ex-diretor foi de que sem o pagamento não haveria solução para as questões de interesse da empreiteira.

Quem cuidou do repasse foi João Pacífico, um dos principais diretores da Odebrecht no Nordeste.

Todos os despachos do ministro foram assinados no dia 4 de abril. A partir de agora, a Polícia Federal já poderá realizar diligências necessárias.

OUTROS SENADORES

Os senadores Eduardo Alves do Amorim (PSC) e Maria do Carmo Alves (DEM) foram citados pelos delatores Alexandre José Lopes Barradas e Fernando Luiz Ayres da Cunha Reis.

Eles teriam recebido repasses não declarados de R$ 600 mil da Odebrecht para eleições ao governo do Estado de Sergipe e ao Senado Federal, respectivamente.

Segundo os delatores, os pagamentos foram intermediados pelo então prefeito de Aracaju (SE), João Alves (DEM).

As delações foram tornadas públicas pelo relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin.

O ministro pede ainda que a Procuradoria-Geral da República considere a possibilidade de se extinguir a punição sobre Maria do Carmo Alves devido à idade da senadora -ela tem 75 anos.

SANTA CATARINA

Fachin determinou ainda a abertura de inquérito para investigar fatos relacionados ao senador Dalírio José Beber (PSDB-SC) e ao prefeito de Blumenau (SC), Napoleão Bernardes.

Eles foram citados nas declarações prestadas pelos colaboradores Paulo Roberto Welzel e Fernando Luiz Ayres da Cunha Santos Reis.

Segundo o Ministério Público, um dos colabores relatou que antes das eleições de 2012, identificou-se candidatos a prefeito com chance de êxito nos municípios em que o Grupo Odebrecht detinha concessões, como em Blumenau.

O objetivo era buscar apoio à manutenção dos contratos de saneamento de água e esgoto.

Nesse sentido, ocorreu um encontro com o atual senador da República Dalírio Beber (PSDB-SC), articulador da campanha de Napoleão Bernardes.

Após o encontro foram acordados os repasses ao candidato à prefeitura no valor de R$ 500 mil.

A soma foi paga por meio do Setor de Operações Estruturadas e o beneficiário identificado no sistema "Drousys" como "Conquistador".

A Procuradoria pediu a abertura de inquérito por supostos indícios de crime eleitoral e corrupção passiva.

O deputado federal Décio de Nery Lima (PT-SC) e a deputada estatual Ana Paula Lima (PT-SC) também tiveram pedido de abertura de inquérito aceita.

Segundo delação da Odebrecht, o deputado pediu R$ 500 mil em doação não declarada para a campanha de Ana Paula à prefeitura de Blumenau (SC), em 2012.

Segundo os delatores Paulo Roberto Welzel e Fernando Luiz Ayres da Cunha Santos Reis, Ana Paula era indicada como "Musa" na planilha de distribuição de recursos ilegais do setor de Operações Estruturadas da Odebrecht.

Décio, atual líder da oposição no Congresso, é casado com Ana Paula, que não venceu o pleito de 2012, tendo ficado em terceiro lugar.

OUTRO LADO

O senador Renan Calheiros espera que, com a abertura dos inquéritos, tenha acesso ao teor das informações para poder se defender. "[Vou] Exercer meu direito de defesa sem que seja apenas baseado em vazamentos seletivos de delações. Um homem público sabe que pode ser investigado. Mas isso não pode significar uma condenação prévia ou um atestado de que alguma irregularidade foi cometida. Acredito que esses inquéritos serão arquivados por falta de provas, como aconteceu com o primeiro deles", disse ele.

Em nota, André Luís Callegari, advogado do senador Fernando Bezerra Coelho, afirma não ter sido comunicado sobre a investigação e que o senador está à disposição das autoridades. O mesmo diz o deputado Romero Jucá: "Sempre estive e sempre estarei à disposição da Justiça para prestar qualquer informação. Nas minhas campanhas eleitorais sempre atuei dentro da legislação e tive todas as minhas contas aprovadas."

A assessoria de imprensa do senador informa que ele só se manifestará após notificação oficial do STF.

Segundo a assessoria, a senadora está na fazenda, incomunicável, e só volta ao gabinete na segunda (17).


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