Folha de S. Paulo


Crítica

Livro mostra papel de Tancredo nas crises políticas do século 20

Moreira Mariz - 11.fev.1985/Folhapress
Brasília, DF, 11.02.1985: O presidente eleito Tancredo Neves durante entrevista.
O presidente eleito Tancredo Neves durante entrevista em 1985

No prólogo da biografia "Tancredo Neves, o Príncipe Civil", o autor Plínio Fraga cita frase de Napoleão em uma carta à sua mulher, Josefina: "Quanto mais se é grande, tanto menos se há de ter vontade própria, pois passamos a depender dos acontecimentos e das circunstâncias".

A síntese é bastante apropriada para a trajetória de Tancredo de Almeida Neves, uma das figuras fundamentais do país na segunda metade do século 20.

Descritos em minúcias no livro de quase 700 páginas, dois episódios são especialmente representativos da máxima do líder francês.

Em setembro de 1961, Tancredo tornou-se primeiro-ministro, dividindo o poder com o presidente João Goulart. O mineiro de São João del-Rei, contudo, não resistiu à pressão pela volta do presidencialismo e se manteve no cargo por apenas nove meses.

Outro momento, 24 anos depois, é ainda mais emblemático do peso incontornável das circunstâncias.

Em 1985, após se eleger presidente no colégio eleitoral, Tancredo foi internado em 14 de março, um dia antes da posse. Morreu em 21 de abril. Coube ao vice, José Sarney, comandar o país.

Jornalista com passagens por veículos como Folha e "O Globo", Fraga conduz os dois primeiros capítulos de modo engenhoso ao descrever os passos de Tancredo em meio a crises militares.

O autor mostra como uma insatisfação de líderes das Forças Armadas escapou do controle do governo civil em 1954 e contribuiu para o suicídio de Getúlio Vargas, de quem Tancredo era ministro.

Encadeada à tragédia do palácio do Catete, Fraga esquadrinha outra fase de tensão, ocorrida 30 anos depois.

Em 1984, o mineiro soube, com discrição, impedir que ganhassem fôlego movimentos de militares contrários à transição da ditadura para a democracia. O neto Aécio estava entre os assessores de Tancredo que acompanharam essas articulações.

Na geração de Tancredo, ninguém se igualava a ele no talento para a conciliação.

Mas a biografia também expõe aptidões menos alardeadas, como o domínio da ciência política, que fica evidente numa palestra em 1980. Na ocasião, exibiu com inteligência e clareza as diferenças entre o parlamentarismo e o presidencialismo.

Por outro lado, Fraga se lança ao exame de erros e ações controversas do político, como a acusação de se beneficiar de lei para o setor têxtil quando vereador em São João del-Rei. Ele era dono de uma tecelagem na cidade.

DONA ANTÔNIA

O mineiro se considerava "cristão-social-reformista", um combinação de palanque e altar que jamais o impediu de manter relações fora do casamento com Risoleta.

O caso mais duradouro, que se estendeu por 14 anos, foi com Antônia Gonçalves de Araújo, a "dona Antônia", sua secretária. "Dr. Tancredo era só política. Eu cuidava do resto", disse Antônia, hoje com 84 anos, ao autor.

Como escreveu o colunista da Folha Elio Gaspari, é uma das revelações da biografia. A falta de um retrato de Antônia está entre os poucos reparos a serem feitos ao livro. Fraga diz que procurou os herdeiros do fotógrafo José Góes, dono de um arquivo de mais de 6.000 imagens de Tancredo, mas a negociação com eles não foi adiante.

Também é questionável que, diante da evidência de erros no tratamento do tumor que matou Tancredo, o autor não tenha entrevistado ao menos um dos médicos.

Tancredo Neves
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Nesse caso, Fraga toma como base informações do livro "O Paciente - O Caso Tancredo Neves", de Luis Mir.

Além das revelações sobre Antônia, o livro reúne informações jamais divulgadas a respeito das sobras da campanha de Tancredo para o colégio eleitoral. Restaram cerca de US$ 10 milhões, do qual não se conhece o paradeiro.

Ao longo das páginas, sobram, aliás, pontos de contato entre passado e presente.

Tancredo Neves, O Princípe Civil
QUANTO: R$ 75 (E-BOOK POR R$ 45)
AUTOR: PLÍNIO FRAGA
EDITORA: OBJETIVA (648 PÁGS.)


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