Folha de S. Paulo


Única mulher entre 77 delatores da Odebrecht cuidava de setor de propina

Praticamente desconhecida na antiga cúpula da Odebrecht, a assistente administrativa Angela Palmeira Ferreira, 61, é a única mulher do grupo de 77 funcionários e ex-funcionários da empresa que firmou acordo de delação com os procuradores da Lava Jato.

Baiana e há mais de 30 anos na companhia, Angela dividia com a colega Maria Lúcia Tavares a logística das movimentações ilícitas realizadas pelo setor de operações estruturadas, a área de pagamentos de propina da empreiteira. O setor movimentou, de 2006 a 2014, US$ 3,39 bilhões.

Geraldo Bubniak/AGB
PR - LAVA JATO - POLÃTICA - A funcionária da Odebrecht Angela Palmeira Ferreira, presa no desdobramento da 23ª fase da Operação Lava Jato, teve o alvará de soltura foi expedido pelo Juiz Sergio Moro com as condições de que ela compareça aos atos do processo e não deixe o país sem autorização judicial. Ela deixa a sede da Policia Federal em Curitiba nesta terça-feira. Foto: Geraldo Bubniak/AGB *** PARCEIRO FOLHAPRESS - FOTO COM CUSTO EXTRA E CRÉDITOS OBRIGATÓRIOS ***
A funcionária da Odebrecht Angela Palmeira Ferreira, liberta após ser presa em fase da Lava Jato

Enquanto Maria Lúcia cuidava das entregas em moeda nacional, Angela era encarregada das transações em euros e dólares no exterior. Quando a primeira foi presa na 23ª fase da Lava Jato, a "Acarajé", deflagrada em fevereiro de 2016, a segunda sabia que seu destino seria o mesmo.

Dezessete dias depois, era Angela quem fazia o caminho de Salvador, onde vive ainda hoje, para a sede da Polícia Federal em Curitiba, local em que ficam detidos os investigados no momento em que são presos pela Lava Jato. Apesar do curto espaço de tempo que separou a prisão das duas, o tratamento que Angela recebeu da empresa foi diferente do endereçado à colega.

Quando presa, Maria Lúcia foi orientada pelos advogados da Odebrecht a afirmar que o "acarajé" citado nas planilhas do setor de propina eram quitutes "que as baianas em Salvador vendem em pequenas porções para aperitivos".

Nesta versão, cabia a ela providenciar as entregas nos locais indicados por Hilberto Mascarenhas, seu chefe na empresa à época e hoje delator.

A PF, porém, já tinha provas de que o termo se referia a pagamentos ilícitos ou não declarados à Receita Federal.

Entenda a Lava Jato

Sentindo-se abandonada pela companhia, que a induziu a reproduzir a versão inverossímil, Maria Lúcia seguiu os conselhos da doleira Nelma Kodama, com quem dividia cela. Negociou sua delação sem o controle e conhecimento da empreiteira.

SOBREVIVÊNCIA

Quando Angela foi parar atrás das grades, o momento na Odebrecht era outro. Já havia a convicção de que um acordo era a única opção do grupo para garantir a sobrevivência da empresa.

Ao contrário da colega, que ficou dez dias detida com prisão temporária renovada, ela ficou apenas quatro em Curitiba. Quando saiu, já sabia que seu acordo estava sendo negociado em conjunto com os demais executivos, como o próprio Marcelo Odebrecht, herdeiro e presidente do grupo.

Angela teve breve contato com Marcelo apenas na carceragem paranaense, segundo pessoas próximas a ela.

Pouco mais de um ano após sua prisão, a assistente está afastada da empresa, mas com advogados e custos bancados pela Odebrecht –garantias dada a todos os demais delatores do grupo.

Em abril do ano passado, quando as conversas de colaboração ainda estavam em negociação, Angela virou ré da Justiça Federal no Paraná. Ela responde a processo junto com Marcelo Odebrecht e outras nove pessoas.

Segundo funcionários da empresa, Angela não é desconhecida só entre executivos e ex-executivos delatores, mas também de grande parte do grupo Odebrecht.

Discreta, falava com poucos funcionários fora do departamento do pagamento de propinas, restringindo-se a dar "bom dia".

DESLOCAMENTO

Com a deflagração da Lava Jato em março de 2014 e a transferência da área de pagamentos ilícitos para a República Dominicana, Angela foi deslocada em agosto de 2015 para a Odebrecht Realizações, também em Salvador.

Cerca de dois meses antes dessa mudança, ela chegou a viajar com Maria Lúcia para Miami (EUA) para cuidar de assuntos ligados ao setor, o que aconteceu no mesmo dia em que Marcelo Odebrecht foi preso na Lava Jato.

Segundo as investigações, a viagem teve a meta de "levar a Fernando Migliaccio [também do setor de operações estruturadas] diversos documentos relacionados aos pagamentos de vantagens indevidas, uma vez que Fernando gostaria de saber a situação atualizada de cada uma das contas".

Há ainda a acusação de que Hilberto Mascarenhas, a quem as duas eram subordinadas, fez um convite formal para que se mudassem definitivamente para o exterior, logo após a prisão de Marcelo, o que seria parte de uma estratégia do herdeiro do grupo para esvaziar o setor de propinas e esconder provas.

Angela responde pelos crimes de corrupção ativa e passiva e lavagem de dinheiro. O processo está suspenso no momento, esperando manifestação do Ministério Público sobre os acordos de delação que foram homologados no início deste ano.

Na tratativa com os procuradores ficou acertado que ela cumprirá um ano em regime semiaberto e três em regime aberto. Ao contrário dos demais executivos, a assistente vive em uma pequena casa no subúrbio de Salvador.


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