Folha de S. Paulo


Eleição de Macris expõe Assembleia de SP parada no tempo

Karime Xavier/Folhapress
SÃO PAULO / SÃO PAULO / BRASIL -15 /03/17 - :00h - Deputados estaduais vão eleger nesta quarta (15) o novo presidente da Assembleia Legislativa de SP. O escolhido será Cauê Macris (PSDB), atual líder do governo na Casa. Macris será eleito inclusive com apoio da bancada do PT --que, em troca, vai se manter no comando da 1ª Secretaria da Mesa Diretora. ( Foto: Karime Xavier / Folhapress). ***EXCLUSIVO***PODER
O presidente a Assembleia Legislativa de São Paulo, Cauê Macris (PSDB)

Jogo dos sete erros:

1) O deputado estadual Vanderlei Macris (PSDB), de Americana, foi eleito presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo.

2) O deputado estadual Cauê Macris (PSDB), de Americana, foi eleito presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo.

A diferença? A data e um nome.

A primeira notícia saiu na Folha em 16/3/1999, com a vitória do hoje deputado federal Vanderlei, 66. A segunda, 18 anos depois, quando seu filho Cauê, 33, foi escolhido.

BANCADAS EM 1999 - Arranjos políticos na Assembleia permanecem os mesmos em quase duas décadas

BANCADAS EM 2017 - Arranjos políticos na Assembleia permanecem os mesmos em quase duas décadas

Um Macris no poder não é o único indicativo de que o maior Legislativo estadual do país, que custará R$ 1,1 bilhão neste ano, parou no tempo.

Desde que Mario Covas assumiu o Palácio dos Bandeirantes, em 1995, a Assembleia vive sob domínio do tucanato. O partido presidiu a Casa por 20 dos últimos 22 anos, exceto de 2005 a 2007, quando foi eleito presidente Rodrigo Garcia, do aliado DEM.

A eleição de Macris pai em 1999 coincidiu com um ponto de virada. Foi quando o PSDB passou a ter a maior bancada, ultrapassando o PMDB.

PSDB e legendas amigas também têm dominado a presidência das principais comissões permanentes. Uma delas é a de Fiscalização e Controle, que acompanha gastos do governo –do orçamento da USP às despesas do metrô– e aprova suas contas.

Teoria: se a comissão identificar alguma irregularidade, notifica o Tribunal de Contas do Estado. Para críticos, a prática: pode fazer vista grossa para blindar um Executivo sob guarda tucana em quase um quarto de século –com Covas, José Serra e Geraldo Alckmin.

Renovação nas comissões também não é o forte. A tucana Célia Leão, por exemplo, presidiu a Comissão de Constituição e Justiça em 1999 e repete a dose em 2017.

O escudo se estende às CPIs, que não avançam se puderem chamuscar o governo, afirma o deputado José Zico Prado (PT), 70. "Só sai CPI que não serve pra nada. Quando conseguimos [uma grande], a CPI da Merenda, você vê no que deu. Em nada."

Hoje, a oposição tenta instalar a CPI da Dersa, que apuraria desvios na estatal responsável pelas obras do Rodoanel. Até aqui conseguiu 18 das 32 assinaturas mínimas de que precisa –por ora só de PT, PSOL e PC do B.

Outras tentativas, como a de uma CPI para investigar o cartel dos trens, foram malsucedidas. Sem a CPI, a oposição propôs ouvir os principais suspeitos pelo cartel nas comissões permanentes, como a de Transporte, mas a base negou os requerimentos.

Por outro lado, foram instauradas CPIs sobre automedicação, obesidade infantil e reprodução assistida.

A oposição, por sua vez, tem feudo próprio na Mesa Diretora, órgão com poder de pautar o que será votado em plenário e criar cargos comissionados. Outro ponto estático: em toda a era PSDB, o PT segurou o cargo de 1º secretário, o segundo na hierarquia.

A palavra-chave, aqui, é "proporcionalidade". Por esse princípio, convencionou-se a deixar a Presidência com o partido dono da maior bancada (PSDB, 21 deputados) e a 1ª Secretaria com a segunda, PT (15).

Por isso o petista Luiz Fernando teve voto de 89 dos 94 colegas, a maioria seus rivais políticos. E por isso quase toda a oposição votou no tucano Cauê Macris. Quase.

No PT, dois deputados contrariaram a orientação do partido, com o discurso de que era preferível perder a 1ª Secretaria à "excrescência" de votar em Cauê, um queridinho do governador Alckmin.

A força do tucanato se impôs mesmo quando o PT, impulsionado pela vitória de Lula em 2002, cresceu 64% e emplacou a maior bancada: 23 deputados, contra 18 do PSDB.

A priori petistas teriam direito a presidir a Assembleia. Nem sequer lançaram candidato: anteviram que a base os derrubaria e acharam melhor garantir a 1ª Secretaria.

Desde 2007, a Mesa tem a mesma composição: PSDB na Presidência, PT na 1ª e DEM na 2ª Secretaria.

ARCAICO

A sensação de déjà-vu se reflete na lista de deputados: 16 dos 94 atuais davam expediente na gestão Macris pai. Gente como Zico Prado, que, no sétimo mandato, lembra de quando compraram um fax. "Foi um avanço do caramba."

Há casos como o de Barros Munhoz (PSDB), 72, que em 1999 era prefeito de Itapira (SP), mas é macaco velho na Casa: o primeiro de cinco mandatos foi em 1986. "Só há 30 anos, mas parecem 300."

Às vezes políticos saem, e parentes ficam, vide os Macris do PSDB, mas também os irmãos Tatto, do PT (Enio elegeu-se no rastro de Jilmar, hoje em Brasília). Repetem-se ainda sobrenomes como Tripoli, Vinholi, Teixeira...

EVOLUÇÃO DA COMPOSIÇÃO DA MESA DIRETORA Arranjos políticos na Assembleia permanecem os mesmos em quase duas décadas

Decano da Assembleia, Antonio Salim Curiati, 90, iniciou o primeiro de 11 mandatos em 1967. Um ano depois foi à inauguração da atual sede dos deputados, o Palácio 9 de Julho, "abençoado pelo cardeal arcebispo d. Agnelo Rossi, que entronizou a imagem de Cristo no plenário", relatou a Folha à época, numa página com anúncio da extinta TV Excelsior ("bom é ficar no canal 9!").

Em seu gabinete, onde guarda fitas VHS e santinhos do padre Marcelo Rossi, ele defende: "O mundo político precisa ser modernizado". Para isso é preciso enxugar, ter menos partidos ("uns cinco") e deputados ("até 50").

PRESIDENTE

Cauê Macris diz que o papel fiscalizador do Legislativo é "pleno" e que a divisão partidária na Casa reflete a vontade popular e "não é o que dá o tom". "É a pessoa que ocupa a Presidência. Sob o meu comando, a Assembleia vai mudar." Ele afirma que, em até 15 dias, vai propor alterações estruturais no regimento interno, de 1970, inclusive para a eleição da Mesa.

"Hoje, você não vê debate. O que nós precisamos é de discussão de projetos em plenário, até para aperfeiçoá-los", diz, responsabilizando o "regimento arcaico" que desestimula as falas dos governistas, pois atrasam as votações.

"Infelizmente, tem-se adotado uma tática nos últimos anos em que se busca consenso de líderes em tudo. O Parlamento não é isso."


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