Folha de S. Paulo


Nosso sistema se esgotou, é preciso outro, diz Fernando Henrique Cardoso

Eduardo Knapp/Folhapress
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em seu escritório na Fundação FHC, em São Paulo
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em seu escritório na Fundação FHC, em São Paulo

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) diz em entrevista à Folha que a gravidade da crise atual exige uma mudança profunda no sistema político.

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Folha - O drama econômico no início do seu segundo mandato foi menos ruim que o de Temer?
Fernando Henrique Cardoso - Em termos. Nós perdemos a votação da idade mínima [na reforma da Previdência] por um voto. Agora, isso volta com mais força, porque quase todos os Estados não têm dinheiro para pagar. De alguma forma, as grandes reformas, os governos vão fazendo aos pouquinhos. Eles pensam que vão ter tudo, o Congresso não dá tudo, a sociedade não deixa tudo. É uma luta constante.

O sr. vê sinal de que, na esfera econômica, o governo terminará com saldo positivo?
O governo atual retomou o fio da meada. Na área econômica, Temer botou gente que sabe das coisas. E tem que ter alguma sorte. As commoditites estão valorizadas.

O sr. falava menos do Judiciário do que o presidente hoje provavelmente falaria.
Muito menos. É verdade.

Quais são os efeitos do protagonismo do Judiciário?
Demos uma abertura na Constituição para a judicialização. A Constituição tratou de reforçar as instituições, Ministério Público, Polícia Federal, a Justiça. Isso não é mau. Evidentemente que, no momento, as instituições políticas estão débeis, há desbalanceamento. Mas, no passado, quando havia isso, quem prevalecia? Os militares.

Sua fala sobre diferenciar caixa dois e corrupção causou polêmica.
Foi um Carnaval, parece que eu estava querendo encobrir. Não quero encobrir nada. Quero dizer o óbvio. Houve ou não corrupção? Quer dizer que caixa dois é correto? Não, quer dizer que corrupção é outra coisa. Tem penalidades, mas são diferentes. Ninguém quer nem ouvir o argumento.

O seu discurso é o mesmo que o PT fez e faz agora.
Não pode generalizar, nem uma coisa nem outra. Não pode dizer que tudo é caixa dois, porque não é, é corrupção.

Temer tem nove ministros envolvidos na Lava Jato. Poderia ter evitado essa situação?
Pois é, mas eu não sei o que seja o envolvimento. Precisa ver o que foi. Obviamente, nosso sistema se esgotou. Não é só malandragem de ficar lá no poder recebendo favores. Você vai ter que ter um sistema diferente desse atual. Na França, [o ex-presidente Charles] de Gaulle disse: acabou, vai mudar tudo. Tinha a guerra da Argélia. Aqui não, mas a situação de desemprego, o desespero, é quase como uma guerra.

O sr. disse no livro que Ciro Gomes tinha estatura política inferior à do Collor, era oportunista. Ainda tem essa visão?
Foi coisa de momento. Devia estar irritado. São estilos diferentes. O Collor empolgou. Não a mim, mas o Brasil se empolgou. O Ciro nunca empolgou o Brasil.

Vai empolgar, se ele se lançar?
Não sei, não acredito. Porque também pertence àquilo que já está aí.

Como o sr. vê a tentativa do Lula de voltar a se candidatar?
Acho que, em geral, as pessoas, depois que fizeram, devem inventar outras coisas. No caso do Lula, nem sei se ele realmente quer. Talvez até queria, porque não sei se ele tem na alma outras distrações, outras coisas. Ao ser candidato, ele salva o partido e acusa todo mundo ao dizer que está sendo perseguido. Então, ele não tem muita opção.

Ele tem chance?
O Lula, quando ganhou, conseguiu penetrar em setores da classe média e, sobretudo, nos que têm recursos, nos empresários. Hoje é difícil [repetir isso]. Não se pode dizer que não acontecerá, mas é pouco provável. O Lula não é para ser nunca desprezado. Mas é mais fácil criticar hoje.

E no PSDB?
O PSDB ganhou espaço na última eleição. Vai manter? Depende de quem vai encarnar e ter projeto para o Brasil. Precisamos de líderes que tenham capacidade de dizer 'venha comigo para o paraíso'. Tem de inventar um paraíso. O mundo está mudando. Precisa ter visão dessas coisas.

Muita gente diz que o João Doria teria esse caminho.
Não sei, o João Doria reafirma sempre, reafirmou a mim na semana passada que o candidato dele é o Geraldo [Alckmin, governador de São Paulo] e ele sabe que está no começo do governo, meses, um mês. Vamos esperar um pouco. Se for, vai ser. Não estou excluindo ninguém nem incluindo. Mas é cedo para fazer essa avaliação. Eu acho que é cedo para fazer qualquer avaliação eleitoral, porque tem os efeitos práticos do Lava Jato. O que vai acontecer, quem realmente é responsável pelo quê?

O sr. fez críticas à Folha e apontou insistência em erros. Por quê?
Porque levaram dois anos falando do Dossiê Cayman. Uma papelada falsa, feita por bandidos. Cabe? Não. É isso. E, como eu tinha relação pessoal com o Frias [Octavio Frias de Oliveira, ex-publisher da Folha, morto em 2007], mais ainda. Não é possível, ele me conhece, sabe que não é assim. Por que fazer isso? Isso me irritava. O que não me levou a mover nada contra a Folha, nem processo, nem cortar verba, nem perseguir ninguém, não. Mas mexia comigo, porque eu escrevi na Folha muitos anos. Então, eu pensava: "Não é possível!"


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