Folha de S. Paulo


Preconceito com mulheres atinge esquerda e direita, diz professora

Samira Chami Neves / Secom UFPR
CURITIBA, PR, 23.09. 2016 Professora Doutora Luciana Panke do Departamento de Comunicação e da Pós-Graduação em Comunicação da UFPR e Superintendente de Comunicacao da UFPR.Foto Samira Chami Neves / Sucom UFPR ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
A professora e pesquisadora da UFPR Luciana Panke

"As reclamações das mulheres são as mesmas na direita e na esquerda", diz a professora e pesquisadora da UFPR (Universidade Federal do Paraná) Luciana Panke à Folha.

Segundo ela, que acaba de lançar o livro "Campanhas Eleitorais para Mulheres: Desafios e Tendências" (Ed. UFPR, 231 págs., R$ 40), em que entrevistou mulheres políticas e consultores de 14 países da América Latina, as candidatas e eleitas afirmam se sentir desamparadas em todo o espectro político.

"Na hora de fazer campanha, muitas vezes as mulheres são deixadas de lado, algo como 'pode ser candidata, mas se vira'", diz a pesquisadora.

Essa seria uma das razões para a baixa presença de mulheres na política. No Brasil, por exemplo, a porcentagem de mulheres na Câmara dos Deputados não chega a 10%.

"É uma vergonha", diz Panke. A pesquisadora fez um levantamento que mostra que o país é o que tem a terceira menor representatividade feminina na Casa na América Latina, à frente apenas de Belize e Haiti. Em comparação como todo o mundo, o Brasil aparece em 155º lugar.

Além disso, a professora afirmou à Folha acreditar que o impeachment que retirou a então presidente Dilma Rousseff do cargo em 2016 poderia não ter acontecido se o ocupante da cadeira fosse um homem. "Vários dos comentários atacavam a mulher e não a gestora", afirma.

Leia a entrevista completa abaixo.

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Folha - A sra. abre o livro afirmando que a "política é um universo masculino". Por quê?

Luciana Panke - Primeiro pela hegemonia de homens que exercem essa profissão, o que faz com que o modo de agir dentro dela seja masculino.

A forma como homens e mulheres agem é distinta, e a maioria das entrevistadas afirmou que não participava de nenhuma mesa de decisão porque a política era feita dessa maneira masculina, em jantares, cafezinhos, tudo depois do expediente e não no momento do Legislativo ou do Executivo. E para elas que acumulam maternidade e funções em casa, já é difícil de acompanhar.

Quais as principais dificuldades que as mulheres que entram na política encontram?

Uma é a de ser chamada de histérica por homens. "Tá nervosinha, deputada? Para que levantar o tom de voz?", dizem. Se o homem está levantando o tom de voz, está brigando, é virilidade. Agora, se a mulher faz isso, é considerada louca, desequilibrada. É uma das principais dificuldades de uma mulher que precisa se impor em qualquer sessão política.

Outra coisa é que a mulher é questionada em relação a sua capacidade e credibilidade. Por exemplo, se ela tem formação ou não. Todas as mulheres que entrevistei têm uma formação fantástica, que muitas vezes os seus pares homens não possuem. Mesmo assim, elas têm a necessidade de provar várias vezes que elas são capazes. Elas são muito mais questionadas.

E dentro dos partidos?

Mesmo internamente as mulheres encontram dificuldades. Muitos deles tem uma cota de mulheres e as colocam para organizar reunião, servir cafezinho, articular nos bastidores, mas sem participar de decisões. Também não são apoiadas com a mesma força financeira e política para se eleger. Foi uma crítica que ouvi em todos os países.

As reclamações são as mesmas na direita e na esquerda?

É geral, escutei essa crítica inclusive sobre partidos progressistas. Tem uma falta de apoio politico. Na hora de fazer a campanha muitas vezes essas mulheres são deixadas de lado, algo como "você é candidata, mas se vira".

As reclamações são iguais não só dentro do partido, mas nas campanhas. Vou te dar um exemplo: as candidatas à Prefeitura de Curitiba, uma de direita [Maria Vitoria, do PP] e outra de esquerda [Xênia Mello, do PSOL], reclamaram da mesma coisa. Entrevistei as duas no mesmo dia, e elas disseram que por serem jovens e bonitas têm que provar o tempo inteiro que são capazes de governar. As razões mudam, mas ambas reclamavam da mesma coisa. Esse é o discurso unânime.

Alguns dos consultores entrevistados afirmam utilizar certos estereótipos femininos nas campanhas. Isso não reforça papéis pré-concebidos?

Eles usam esses papéis como dona de casa ou mãe para criar uma identificação com o público, gerar empatia. É para o eleitor dessa mulher a enxergar como acessível.

Dependendo de como é usada a campanha, realmente há o risco de estereotipar a mulher. Mas essa é a maneira que os consultores têm de fazer com que essa mulher seja escutada, que ela seja vista como uma legítima representante, então vai da estratégia de campanha.

A sra. entrevistou mulheres políticas e consultores de 14 países da América Latina. Quais são as principais diferenças?

Tem países que tem cotas, o que influencia, é claro. Outros, como a Bolívia, tem um sistema de listas, que estabelece que tem que ser um homem e uma mulher. Eles estão em segundo lugar mundial em representação feminina, então já facilita a entrada feminina.

Por outro lado, é um dos países mais machistas que tem, tanto que ouvi relatos até de feminicídio por causa de política, coisa que não ouvi em outros países.

O Brasil é um país machista em comparação aos outros?

O Brasil me chamou a atenção. Antes eu acho que não via com tanta clareza o machismo que a gente vive no dia a dia e que impede as mulheres de chegarem no poder.

Veja, estamos em 155º lugar no mundo em termos de representação feminina na Câmara dos Deputados, são menos de 10% de mulheres. Isso é muito pouco, dá até vergonha. Tenho vergonha de dizer que o meu país só tem isso de mulheres.

Como pode um país que se diz, ou se dizia, mais progressista, uma potência econômica com relação aos vizinhos, estar em antepenúltimo lugar em representação [em levantamento da autora, o país aparece à frente apenas de Belize e Haiti em porcentagem de mulheres na Câmara]? O Brasil ainda tem muito ainda para caminhar, para ver com naturalidade e apoiar as candidaturas femininas.

Como aumentar essa representação?

Em primeiro lugar, tem que ter um trabalho de base, por meio de educação. Paralelamente, acho que é preciso uma reforma na nossa lei de cotas femininas. Eu defendo que seja 50% para as cadeiras, não para candidaturas. Isso significa que metade dos deputados ou senadores serão mulheres. Algumas legislaturas têm esse sistema de cotas, como o México desde 2015.

Há uma regressão na representação política feminina na América Latina?

Não sei se pode chamar de regressão. Com certeza houve um ápice com as quatro presidentes [Dilma Rousseff, Cristina Kirchner na Argentina, Laura Chinchilla na Costa Rica e Michelle Bachelet, que segue à frente do Chile], foi bastante inspirador para outras mulheres. E acho que o que aconteceu no Brasil [com o impeachment de Dilma] causou um abalo, espero que as mulheres não se intimidem com essa saída à força da presidente.

Mas há um movimento de ida para a centro-direita em toda a América Latina. Antes os governos eram de centro-esquerda, o que também explica ter mais mulheres no poder, porque tradicionalmente são os governos progressistas que as estimulam mais. Quando há uma guinada à direita, voltam a ser estabelecidas políticas mais conservadora, comandadas por homens.

Então acho que isso é muito influenciado pela própria política latino-americana neste momento, mas pode mudar mais para frente.

Críticos do impeachment de Dilma afirmam que ele foi motivado por machismo. A sra. concorda com essa afirmação?

Concordo. Vários dos comentários atacavam a figura da mulher, e não da gestora. Uma das coisas mais horríveis que eu vi foi aquele meme do estupro com a bomba de gasolina [imagem que circulou na internet e mostrava adesivo de carro com a figura da então presidente em posição sexual]. Isso é inconcebível, como é que se faz uma coisa dessas com a presidente da República? Você pode não concordar com ela, mas aquilo é de uma violência simbólica imensurável.

Ou comentários maldosos como "ela é separada, por quê? Nenhum homem quis?" Acho que isso daí sem dúvida acabou influenciando.

Acho que se fosse um homem, há uma boa chance de isso não ter acontecido, apesar de sabermos que a conjuntura do que aconteceu abrange uma série de interesses econômicos e escândalos. Mas talvez justamente pela forma de fazer política feminina ser diferente da masculina, às vezes ela não cedeu certas coisas que poderia ter cedido, ou ter feito algo no gênero de articulação. Mas aí é especulação.

CAMPANHAS ELEITORAIS PARA MULHERES: DESAFIOS E TENDÊNCIAS
AUTORA Luciana Panke
EDITORA UFPR
QUANTO 231 págs., R$40
QUANDO 8/3, a partir das 18h30, Avenida do Batel, nº 1868 (Curitiba)


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