Folha de S. Paulo


Moraes era favorito de Alckmin para ser candidato a prefeito de SP

Alan Marques 6.jan.2017/Folhapress
Ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, apresenta detalhes do Plano Nacional de Segurança no Palácio do Planalto, em Brasília (DF)
Alexandre de Moraes, nomeado novo ministro do Supremo Tribunal Federal

Alexandre de Moraes construiu sua carreira mirando dois nortes desde que trocou o Ministério Público paulista pela política em 2002.

Sonhava com o Supremo Tribunal Federal, mas considerava que um cargo majoritário no Executivo era uma realidade mais palpável, ao menos no curto e médio prazo.

Tudo indicava que era mesmo.

Secretário da Segurança Pública em 2015, Moraes era o nome preferido do governador Geraldo Alckmin (PSDB) para a disputa pela Prefeitura de São Paulo.

A candidatura de João Doria não era, à época, levada muito a sério no Palácio dos Bandeirantes –com jeito, ao seu estilo, por mais de uma vez, o governador paulista tentou dissuadir o hoje prefeito da capital de participar das prévias do PSDB.

Alckmin também conseguiu adiar o prazo de inscrição para a disputa interna do partido a fim de dar mais tempo a Moraes, então filiado ao PMDB de Michel Temer.

O novo ministro do Supremo acabou desistindo de concorrer por conta do desgaste que sofreu no segundo semestre de 2015. Primeiro, houve a chacina em que 17 pessoas foram mortas na grande São Paulo –policiais estavam envolvidos.

Depois, ocorreu uma série de invasões nas escolas estaduais que acabaram resultando em conflitos de rua nos quais policiais militares reagiram aos estudantes com bombas de efeito moral.

Enquanto Moraes apanhava na secretaria, Doria percorria o partido, viabilizando-se para a disputa.

Ganhou a confiança de Alckmin e acabou eleito num inédito primeiro turno em São Paulo. Moraes ficou com a promessa de que seu nome seria considerado para a sucessão estadual de 2018 e entrou no PSDB.

Mas, de olho no STF, foi trabalhar com Temer quando o presidente o convidou para o Ministério da Justiça, o que ocorreu logo depois de ter mobilizado 33 policiais da delegacia antissequestro para prender um hacker que furtara arquivos do celular de Marcela Temer.

O que era um sonho distante virava, naquele momento, uma aposta real.

CANETADA

Alckmin, que pretendia manter-se estrategicamente distante do novo governo, ficou chateado com a escolha de Moraes, mas a relação entre ambos continuou intacta.

O ex-promotor integra um seleto grupo de pessoas próximas ao governador, do qual fazem parte Gabriel Chalita, ex-secretário da Educação, Renato Nalini, ex-presidente do Tribunal de Justiça, Paulo Barbosa, prefeito de Santos, e o assessor especial Orlando de Assis Neto, o Orlandinho.

Moraes esteve ao lado de Alckmin nas horas mais difíceis, quando o tucano foi derrotado na disputa para prefeito, em 2008, e, sobretudo, quando seu filho Thomaz morreu em abril de 2015 num acidente de helicóptero.

Ele o acompanhou no doloroso momento do reconhecimento do corpo.

Alckmin tem muito respeito pelo conhecimento jurídico do ex-promotor e frequentemente lhe pede conselhos, ainda que o agora 168º ministro da história do Supremo Tribunal Federal tenha levado o governo em 2005 a cometer um erro importante.

Professor na Faculdade de Direito da USP e no Mackenzie, Moraes era secretário da Justiça quando Alckmin pediu que acumulasse a presidência da Fundação Casa (antiga Febem), onde eram comuns os relatos de violência de funcionários contra os adolescentes.

Disposto a acabar com o que chamava de "banda podre" e limpar a fundação dos "torturadores", Moraes promoveu uma demissão em massa, exonerando 1.751 pessoas numa canetada.

A decisão acabou anulada no STF, que ordenou a reintegração dos funcionários.

O caso deu origem a uma ação trabalhista e a um prejuízo estimado em R$ 50 milhões ao governo do Estado. Sem considerar processos por danos morais, em curso.

"Ao não separar o joio do trigo, a empregadora incluiu abusivamente o trabalhador na dispensa em massa sem que contra ele houvesse prova de participação em tortura", escreveu em uma das sentenças a ministra Kátia Magalhães Arruda, do Tribunal Superior do Trabalho.

A despeito das boas intenções do então secretário, seu erro foi elementar, ao sugerir atitude criminosa a um grupo enorme de pessoas sem ter condição de individualizar a conduta de cada um.

CARREIRA

Moraes, 48 anos, tem uma trajetória digna de nota.

Aos 22, passou em primeiro lugar no concurso para o Ministério Público. Em 2002, aos 34, tornou-se o secretário da Justiça mais jovem de São Paulo.

É autor de uma série de livros, sendo que um dos seus manuais está na 32ª edição. Seu currículo registra 136 participações em bancas examinadoras. "Como doutrinador, já participei de várias bancas com ele, é um bom arguidor", diz o advogado e professor Ives Gandra da Silva Martins.

O coronel Álvaro Camilo, ex-comandante da PM, também faz elogios ao novo ministro do STF.

"Quando decide fazer algo, não deixa para depois, é arrojado", diz Camilo, hoje deputado estadual.

Antigos subordinados afirmam, no entanto, que Moraes tem uma personalidade muito difícil.

É centralizador, daqueles que assumem o Power Point ao menor vacilo de um auxiliar, e frequentemente demonstra arrogância.

Quando um assessor de Alckmin o procurou para tratar de algum assunto em nome do governador, respondeu, na lata. "Falo direto com ele, não preciso de intermediários."

Rusgas com colegas também não são fatos raros. Anos atrás, chegou a trocar "ombradas" com o secretário Saulo de Abreu Filho, após uma reunião com o governador.

Outro "inimigo íntimo" de Moraes é o deputado estadual Fernando Capez, que, segundo aliados, atribui ao antigo colega de Promotoria acusações que sofreu em uma licitação de merenda escolar.

O novo magistrado é também uma pessoa de muitos e influentes amigos. Sabatinado em 2005 no Senado, foi o nome indicado pelo baixo clero da Câmara dos Deputados para representá-la no primeiro colegiado do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

A escolha havia sido articulada com o então presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), que pretendia impor desgaste ao PT.

O candidato de Lula ao CNJ era Sérgio Renault, secretário de Reforma do Judiciário.

Moraes foi aprovado na sabatina, mas rejeitado em votação secreta no plenário, uma dupla vingança da base parlamentar do governo Lula, pois atingiria Alckmin e seu secretário de Justiça.

Atropelando o regimento do Senado, o presidente Renan Calheiros acolheu requerimento de Romeu Tuma e houve nova votação. Moraes foi aprovado com apoio de Antônio Carlos Magalhães, Sarney, Demóstenes Torres e Arthur Virgílio, entre outros.

Sua atuação no CNJ foi elogiada. "Sempre muito preparado, ele se alinhou com o lado mais progressista em teses sobre a administração da Justiça", diz Joaquim Falcão, diretor da FGV Direito Rio.

Moraes foi o relator da resolução que proibiu o nepotismo no Judiciário. Defendeu a responsabilização de presidentes de tribunais em ações de improbidade. Contrariou as associações de magistrados ao reconhecer que o CNJ poderia instaurar processos disciplinares a despeito das corregedorias dos tribunais.

Condenou o foro privilegiado, tema atual. Criticou a indicação de candidatos à Corte Suprema por preferências políticas, uma contradição entre a teoria e sua prática.

Marco Aurélio de Mello foi o primeiro ministro do STF a recomendar o nome de Moraes, que teve o aval da Associação dos Magistrados Brasileiros. Mas juízes gaúchos criticam sua indicação sem o cumprimento da quarentena, e a Associação Juízes para a Democracia condena sua nomeação sem debate público.

"Nos sentimos tranquilos em relação à nomeação. É uma boa escolha, um constitucionalista de respeito", diz o procurador da República Carlos Fernando dos Santos Lima, da Lava Jato. Avaliação semelhante é feita por membros do Ministério Público Federal próximos a Rodrigo Janot, o procurador-geral.

Dono de uma respeitada biblioteca com mais de 6.000 livros, Moraes diz que já leu todos, "mesmo os chatos". Anos atrás, ao site "Consultor Jurídico", contou que tem por hábito ler várias versões de um mesmo assunto.

Um dos seus personagens preferidos, sobre quem afirma ter lido todas as biografias disponíveis no país, leva o seu nome. É Alexandre, o Grande (356 a.C - 323 a.C), o conquistador macedônico.


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