Folha de S. Paulo


Lava Jato no Rio 'terceiriza' e agiliza repatriação de verba ligada a Cabral

A força-tarefa da Lava Jato no Rio "terceirizou" a repatriação de recursos ilegais no exterior e conseguiu agilizar a devolução de dinheiro atribuído ao grupo do ex-governador Sérgio Cabral (PMDB).

O Ministério Público Federal delegou aos doleiros Renato e Marcelo Chebar a obrigação de repatriar dinheiro da propina no exterior à disposição de Cabral, Wilson Carlos e Carlos Emanuel Miranda, de acordo com o relato.

Um dia após firmar o acordo de delação, eles abriram contas em seus nomes na Caixa Econômica Federal para receber o dinheiro a ser entregue, em seguida, à Justiça.

Reprodução
Renato Chebar, delator da Lava Jato no Rio, detalhou pagamentos de Eike para Sergio Cabral
Renato Chebar, delator da Lava Jato no Rio, detalhou pagamentos de Eike para Sergio Cabral

A estratégia, pela primeira vez utilizada na operação, permitiu que cerca de R$ 250 milhões atribuídos ao peemedebista e seus aliados já estivessem com a Justiça quando as prisões de Eike Batista e outros investigados foram realizadas –também já estavam depositados os R$ 20 milhões de multa imposta aos colaboradores.

A verba chegou ao país por meio de ao menos quatro contas no exterior em menos de dois meses.

O valor inclusive se tornou o maior já trazido de uma vez. O primeiro lote de recursos do ex-gerente da Petrobras Pedro Barusco no exterior foi de R$ 189 milhões –atingiu, ao fim do processo, R$ 291,8 milhões.

O trâmite de Barusco e demais delatores foi via Ministério da Justiça, por meio de acordos de cooperação internacionais com os países em que estavam os recursos.

A repatriação por esse caminho pode demorar meses. Já foram repatriados no total R$ 573,8 milhões, mas outros R$ 183,2 milhões estão bloqueados no exterior aguardando os trâmites formais.

O Ministério da Justiça diz ser legal a repatriação pelos próprios criminosos confessos. Contudo, especialistas afirmam que a iniciativa pode gerar problemas diplomáticos.

"Estamos falando de uma medida jurídica em outro país. Havendo o tratado, ele deve ser observado. É, na prática, um confisco de dinheiro depositado no exterior", afirmou Rodrigo Fragoso, advogado criminal e professor da PUC-Rio.

O procurador Leonardo Freitas, coordenador da Lava Jato no Rio, afirmou que mantém contato constante com as autoridades suíças. "Nossas relações com a Suíça são ótimas", afirmou o procurador, citando o país que concentra a maior parte dos recursos atribuído a Cabral.

No caso dos doleiros de Cabral, havia a preocupação de que outras pessoas pudessem movimentar os recursos por meio de procuração.

EXEMPLO

A rede de Cabral

A complexidade na movimentação das contas é exemplificada na colaboração dos dois doleiros ao explicar o funcionamento da conta no banco Pictet, na Suíça.

De acordo com Renato Chebar, ela estava em nome de Maria Ester, apontada como secretária do uruguaio Oscar Algorta Raquetti, já denunciado na Lava Jato sob acusação de lavar dinheiro para o ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró.

Chebar só tinha acesso à conta, para onde transferiu US$ 10 milhões atribuídos a Cabral, através de um token (autenticador eletrônico). Ele, contudo, perdeu a validade e a conta deixou de ser acessada após o uruguaio se tornar alvo do MPF, em 2015.

Parte dos recursos em nome dos doleiros, mas de propriedade real de Cabral ainda estão no exterior. Um montante, por exemplo, está no banco BPA, de Andorra, sob intervenção. Para repatriar esses valores, o MPF no Rio está buscando cooperação internacional.


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