Folha de S. Paulo


Corrupção reforça desigualdade no Brasil, diz Transparência Internacional

Esquemas de corrupção como a da Petrobras, investigado pela operação Lava Jato, contribuíram para aumentar as desigualdades no Brasil, avalia a ONG Transparência Internacional.

A organização destaca que a corrupção ocorre em vários níveis governamentais, causando impactos desastrosos para o desenvolvimento do país.

A relação entre corrupção e desigualdade, com o exemplo da Petrobras, foi um dos destaques do Índice de Percepção da Corrupção Global divulgado nesta quarta (25) pela organização, com sede em Berlim.

"O esquema da Petrobras reproduz um padrão que é sistêmico na relação entre setor privado e poder público no Brasil. Através do suborno, são criados ambientes de negócios que privilegiam certos grupos e não são favoráveis ao interesse público e da economia em geral. Isso gera grandes distorções e desigualdades", afirma Bruno Brandão, representante da organização, com sede em Berlim, para o Brasil.

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Rio de Janeiro - RJ - Economia - 19/04/2016 - Prédio sede da Petrobras - Avenida Chile, Centro do Rio de Janeiro - Foto: Reginaldo Pimenta/Raw Image ORG XMIT: Luciano Leon *** PARCEIRO FOLHAPRESS - FOTO COM CUSTO EXTRA E CRÉDITOS OBRIGATÓRIOS ***
Prédio sede da Petrobras, no Rio; empresa é investigada nos EUA

Apesar de a percepção de corrupção se manter estabilizada em relação ao ano anterior no Brasil, o país caiu três posições no ranking, ficando no 79º lugar entre as 176 nações avaliadas em 2016.

A desigualdade se reflete em vários âmbitos: da distribuição de contratos em licitações, ao eliminar chances da concorrência entre empresas de diferentes portes, à qualidade dos serviços públicos, que acabam negligenciados devido ao desvio de recursos.

A concorrência desleal, criada com compra da exclusividade para a realização de uma obra pública, tem ainda efeitos no crescimento e desenvolvimento de um país. De acordo com Brandão, sem a competição para estimular a melhoria da qualidade e a busca pela excelência e eficiência, a tendência é a degradação de infraestruturas.

"O desastre da infraestrutura no Brasil é fruto de um ambiente completamente controlado por cartéis e corrupção, o que gera um impacto enorme no desenvolvimento econômico e, por conseguinte, na distribuição das riquezas, por meio dos serviços públicos", ressalta o especialista.

No caso específico da Petrobras, o custo da corrupção foi estimado em R$ 6 bilhões, recursos que poderiam ser empregados em investimentos, que gerariam, além de desenvolvimento para o país, uma maior arrecadação de impostos, que posteriormente seriam revertidos para os serviços públicos, exemplifica Brandão.

O especialista destaca, porém, que um impacto direto de maiores proporções na desigualdade social pode ser observado no esquema investigado pela operação Zelotes, que revelou uma estrutura de sonegação fiscal, envolvendo quadrilhas que operavam no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), órgão vinculado ao Ministério da Fazenda.

O objetivo do esquema era reverter a cobrança de impostos atrasados e multas, através do pagamento de propina. Estima-se que a fraude gerou um rombo bilionário de arrecadação nos cofres da União.

"A Zelotes revelou um esquema de corrupção gravíssimo e que talvez tenha um impacto muito maior sobre a economia do país do que o esquema da Petrobras, pois são bilhões de impostos que deixaram de ser recolhidos e que poderiam ser canalizados para serviços públicos, como a saúde, educação e segurança pública", ressalta Brandão.

CORRUPÇÃO E VIOLAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS

A ONG também vê uma ligação entre os altos níveis de corrupção no poder público e a violação de direitos humanos, e cita com exemplo os recentes massacres em prisões do país.

"O caso dos massacres em presídios, que ocorreram no início do ano, é um exemplo chocante de como a corrupção viola os direitos humanos. Uma tragédia como essa só pode ocorrer através da corrupção em vários níveis, a começar pelo descontrole total em relação à entrada de armas dentro de penitenciárias até o envolvimento de governantes com o crime organizado", ressaltou Brandão.

O caso de Manaus trouxe à tona várias denúncias expondo esse quadro de corrupção. O diretor-interino da Complexo Prisional Anísio Jobim (COMPAJ) foi afastado depois de a Defensoria do Amazonas relatar que tinha recebido cartas de dois detentos, poucos dias antes do massacre, denunciando que ele tinha recebido propina de facções criminosas, em troca da liberação da entrada de drogas e armas no complexo.

Os autores da denúncia estavam sendo ameaçados de morte e foram assassinados na chacina.

A polícia federal também disse que houve negociações entre o governador do Amazonas e líderes de facções para evitar transferências. Quando questionada, a gestão do governador José Melo (Pros) diz que desconhece negociações que teriam ocorrido entre o poder público e criminosos.

Além do exemplo extremo, Brandão acrescenta que a degradação de serviços públicos, a falta de infraestrutura básica, como redes de saneamento, e a ausência de uma Justiça que responda às demandas da população também são casos de violação de direitos humanos que têm origem na corrupção.

"A população mais vulnerável é a que mais sente os impactos da corrupção, porque, é entre ela que as deficiências do Estado e do serviço público geram consequências diretas. Quem tem mais recursos, compra o acesso a serviços privados de qualidade, mas os mais carentes acabam sem alternativa", afirma o especialista.

FUTURO DO COMBATE NO BRASIL

Apesar de destacar os avanços do Brasil no combate à corrupção, com investigações profundas, como a Lava Jato, a ONG diz que, diante o novo governo, se preocupa com o futuro do progresso conquistado nos últimos anos.

"A ausência completa do tema corrupção nos discursos do presidente e nas ações de governo, além da falta da integridade como critério para a composição dos ministérios, nos preocupa muito", diz Brandão.

"A Lava Jato está sendo atacada, como vimos no Congresso com a destruição do pacote anticorrupção e a incorporação de medidas de retaliação à Justiça. Há um risco muito real de retrocesso", afirma, acrescentando que cabe à sociedade impulsionar o rumo que o país irá tomar daqui para frente neste sentido.

Ele diz que a queda no índice revela que há uma percepção maior de corrupção no país, mas que isso não é necessariamente ruim e pode significar um processo de melhora, se vier acompanhada com o combate da prática, por meio de investigações e punições dos culpados, para diminuir a sensação de impunidade, além do aprimoramento de instituições.


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