Folha de S. Paulo


Ação de Moro impulsionou impeachment, diz Cardozo

Ed Ferreira/Folhapress
O ministro José Eduardo Cardozo (Justiça) fez uma crítica velada ao secretário de Segurança Pública de São Paulo, Alexandre Moraes (PMDB)
José Eduardo Cardozo, ex-ministro da Justiça

No último dia 14 de novembro, o ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo reassumiu a cadeira de procurador do município de São Paulo, cargo para o qual passou em concurso em 1982 e está afastado desde 1994, quando assumiu uma vaga de vereador.

Cardozo, que serviu ao governo Dilma Rousseff desde o primeiro dia do mandato da petista, agora tem como chefe o prefeito tucano João Doria. Como o trabalho na prefeitura não o impede de advogar, ele também trabalha para clientes particulares.

Longe do governo federal, onde diz ter evitado declarações que causassem problemas políticos, ele agora não poupa críticas a desafetos.

Sobre o juiz Sergio Moro, diz que as decisões dele interferem nos processos políticos e sustenta que foi cometido um ato ilegal que "propulsionou o impeachment", em referência à divulgação de áudios de conversas de Dilma.

"Se realmente as coisas se confirmarem que para alguns a lei vale e para outros a lei é só sorrisos, efetivamente vai mal a coisa". Leia trechos da entrevista à Folha.



Prefeitura com João Doria

O servidor público tem que servir dentro de suas funções seja qual for o governo, pouco importa se ele concorda ou não concorda com o governo.

Sou procurador de carreira, concursado desde 1982. Tive afastado alguns períodos quando fui secretário da prefeitura, os oito anos em que fui vereador, oito em que fui deputado e os quase seis anos que fui ministro.

É natural que cessando essas funções que me dão licenciamento automático eu volte para minha carreira.

Futuro do PT

Tivemos uma grande ofensiva contra nós. Pelo fato de uma pessoa ter sido acusada de praticar um ato ilícito se tentava colocar a pecha em todo partido de ser um partido que atuava no ilícito. Enquanto idênticas situações em outros partidos simplesmente eram esquecidas.

O PT tem que resgatar o seu papel de intransigência na luta ética.

O fato de alguns companheiros poderem ter agido de forma equivocada serve como um ponto de reflexão para que nós possamos cortar na carne situações que efetivamente exijam esse corte e criar mecanismo para que no futuro situações de eventuais desvios não se repitam.

Lula

Temos um nome muito forte [para a disputa presidencial] que é o do presidente Lula. Mas uma das coisas que o PT tem que fazer é dialogar com muita parceria, com muita humildade com os outros setores de esquerda.

Ou seja, durante muito tempo, é uma leitura crítica que eu faço, talvez até alguns companheiros não gostem disso, nós agimos muito na busca de uma hegemonia da esquerda - não me parece correto - acho que neste momento em que estamos vivendo em especial é necessário que nós somemos esforços e ao invés de nomes busquemos construir processos onde os nomes sejam o resultado de um processo e não uma imposição para que um processo se construa.

Sem sombra de dúvida Lula me parece um excelente nome que pode unificar toda a esquerda.

Eu acredito que ele demonstrará sua inocência [nos processos em que é réu] e espero imparcialidade na decisão. Mas acho que tem um conjunto de pessoas que tem muito interesse em atingi-lo na sua imagem para que ele não seja um forte candidato em 2018.

Há uma ofensiva contra o presidente Lula muito clara de setores conservadores da sociedade brasileira que parece que querem prejulga-lo acima de tudo para alijá-lo da política brasileira.

Sergio Moro

É um juiz que teve um papel muito importante no processo do combate à corrupção no país. Eu o considero uma pessoa tecnicamente muito preparada, mas também sou crítico de algumas decisões dele. Eu nunca falei isso, mas em certos momentos me parece que o juiz Sergio Moro decidiu questões que efetivamente ultrapassaram a legalidade.

Se os áudios [conversa entre Dilma e Lula sobre o termo de posse de sua nomeação para a Casa Civil] envolviam indícios de crime, teriam que subir pro Supremo em sigilo, segundo a lei. Se não envolviam, teriam que ter sido incinerados. Moro disse que não envolviam indícios de irregularidades, então, se não envolviam, ele não poderia ter divulgado conversas privadas. Isso ofende claramente a lei, ofende claramente a Constituição.

Por isso que eu, embora afirme que o juiz Sergio Moro tem um papel importante no combate à corrupção, há decisões dele que podem ser objeto de uma profunda crítica, especialmente quando elas interferem também nos processos políticos.

Nesse caso [divulgação das conversas entre Dilma e Lula] um dos fatores que impulsionou e propulsionou o impeachment foi a divulgação desses áudios feita em total desconformidade com aquilo que a legislação brasileira determina.

Acredito que isso [a imparcialidade de Moro] tem que ser examinado de uma forma muito criteriosa. Se realmente as coisas se confirmarem que para alguns a lei vale e para outros a lei é só sorrisos [referência à foto em que Moro aparece sorrindo com Aécio em evento], acredito que efetivamente vai mal a coisa.

Governo Michel Temer

É um desastre em todos os sentidos. Um governo de homens brancos, sem mulheres, conservadores e que seguiu uma linha política que não foi a que elegeu a chapa Dilma-Temer.

É incrível que as pessoas tenham vendido a ilusão para a sociedade de que um governo com essa composição, com essas características não seria atingido [por acusações de corrupção] no seu curso.

É curioso que quando Dilma Rousseff quer nomear um ex-presidente da República que era importante pro seu governo como ministro - e é óbvio que o Lula faria diferença naquele momento na articulação política do governo- se acusou Dilma Rousseff de nomear um ministro para tirar a possibilidade de uma investigação em primeira instância.

E agora vários acusados estão exercendo cargo ministerial e ninguém fala que isso é uma forma também de subtrair a investigação da primeira instância. Como é que se explica isso? Infelizmente há nesse processo algo que se chama dois pesos e duas medidas, mas que a história seguramente julgará.

Lava Jato

Eu acredito que ela (Lava Jato) chegou a um ponto que dificilmente alguém obstará as investigações. Embora nós devamos ficar atentos para que isso não ocorra. O que eu não quero também dizer em momento algum é que abusos eventuais não sejam cometidos. Eu sempre defendi as investigações. Mas investigações devem ocorrer dentro da lei. Dentro dos limites da constitucionalidade.

Crise econômica

Quando eu fiz a defesa de Dilma Rousseff eu disse algo que tinha plena convicção por várias vezes. Que nenhum governo que chegasse ao poder naquelas condições teria legitimidade e condições políticas de reunir energia para tirar o Brasil da crise e que tudo tendia que o quadro fosse agravar. Não há respostas hoje fora das urnas e fora da democracia.


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