Folha de S. Paulo


Divergência com João Paulo 2º marcou trajetória de d. Paulo Evaristo Arns

Uma medida da importância de dom Paulo Evaristo Arns para o catolicismo no país é o fato de ser o único brasileiro personagem do livro "Santos e Pecadores: Uma História dos Papas", do historiador irlandês Eamon Duffy –talvez o melhor guia sobre a saga do papado, embora esteja um pouco desatualizado (saiu quando João Paulo 2º estava vivo).

Dom Paulo, porém, figura na obra como um guerreiro derrotado. "Arns ficou neutralizado quando sua gigantesca diocese paulista foi subdivida sem o seu consentimento e as cinco novas sés então criadas passaram para as mãos de bispos conservadores", escreve Duffy ao narrar como, por decisão de João Paulo 2º, o cardeal de São Paulo perdeu parte de seu peso dentro da Igreja, em 1989.

A perda de influência de dom Paulo e de outros religiosos de sua geração resulta, em grande parte, da maneira como lidaram com um dos períodos mais conturbados do catolicismo no século passado, após o Concílio Vaticano 2º (1962-1965).

O concílio, uma reunião em Roma de membros da hierarquia católica, dispôs-se a reformar a relação da Igreja com o mundo moderno. Surgiu uma abertura maior ao diálogo com outras igrejas cristãs e outras religiões e uma ênfase na ideia de que era preciso aproximar a missão espiritual da Igreja dos problemas de seu tempo.

Para latino-americanos como Arns, a pobreza e a desigualdade estavam no topo dessa lista. Tornando-se arcebispo em 1970, ele estava na linha de frente da implementação das possibilidades do concílio, e a resposta era representada pelas CEBs (comunidades eclesiais de base).

As CEBs "quebravam", em parte, a estrutura tradicional das paróquias. Havia forte participação de sacerdotes, é claro, mas os leigos católicos também adquiriam papel de relevo em reuniões de pequenos grupos que misturavam leitura da Bíblia, reflexão sobre as Escrituras e o ativismo político no contexto de bairros carentes ou da zona rural.

O problema, do ponto de vista do Vaticano a partir do papado de João Paulo 2º, é que a fórmula das CEBs dependia, em larga medida, da chamada Teologia da Libertação. Essa vertente lê os temas bíblicos de resistência à opressão e preferência divina por humildes com uma óptica marxista –grosso modo, um socialismo cristão.

Para o papa polonês, vindo de um regime em que o comunismo era inimigo da liberdade religiosa, a fusão com o marxismo era intolerável. Isso explica sua iniciativa de minar a influência de adeptos da Teologia da Libertação.

Na era do papa Francisco, essas disputas soam cada vez mais como história antiga. O pontífice argentino não tem nada de marxista, mas sua atuação é, em larga medida, simpática ao legado de figuras como dom Paulo, não por acaso um franciscano.


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