Folha de S. Paulo


Cheque Cidadão foi pretexto para minha prisão, acusa Garotinho

Ricardo Borges/Folhapress
Rio de Janeiro, Rj, BRASIL. 01/10/2016; Entrevista com o ex-governador do Rio, Anthony Garotinho em seu apartamento no Flamengo. ( Foto: Ricardo Borges/Folhapress)
Entrevista com o ex-governador do Rio, Anthony Garotinho (PR)

"Levei um mata-leão no pescoço. Apaguei." O ex-governador do Rio Anthony Garotinho (PR) reconstitui, de pé, cenas do dia 16, quando foi levado por agentes da Polícia Federal para unidade de saúde do complexo penitenciário de Bangu, no Rio.

Com gestos amplos, ele relata o momento em que, por decisão judicial, foi retirado à força da UTI (Unidade de Tratamento Intensivo) do hospital Souza Aguiar. Segundo Garotinho, após examiná-lo, o médico se recusou a cumprir ordem de sua transferência para Bangu, dando início a uma "quizumba".

"Chegaram aqueles brutamontes da Federal: 'o sr. vai ou não vai?'", lembra, acrescentando que, ao saber para onde seria levado, reagiu:

"'Vocês estão loucos? Fui secretário de Segurança. Vocês querem me levar para um lugar onde está Isaías do Borel [ex-chefe do Comando Vermelho], um monte de bandido que eu prendi'. Levantei a camisa e disse: 'Se vocês querem me matar, atirem aqui'", relata.

Neste momento, conta o ex-governador, agentes do Comando de Operações Táticas da PF entraram no quarto "retirando o fio do soro e tirando aquele monitoramento todo". "Foi puxa daqui e puxa dali. Eu me travei na cama e os caras puxando minha perna. Apertando meu pescoço. Apaguei. Rosinha se jogou em cima de mim".

Ao lado do marido, no apartamento do casal no bairro do Flamengo, a prefeita de Campos (RJ), Rosinha Garotinho, interrompe. "Eles o arrancaram na maior brutalidade. Parecia que estavam esquartejando ele. Eu me joguei em cima, me segurei na maca e gritei: 'Ele vai morrer'."

Ao comentar as críticas ao fato de se debater para não entrar na ambulância, mostra marcas nos braços: "lsso tudo aqui é cena?"

Garotinho foi preso no dia 16 sob acusação de ter ampliado o número de beneficiários do programa Cheque Cidadão em Campos –onde é secretário municipal– com fins eleitorais.

A decisão de prisão primeira instância foi revertida pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e ele foi libertado.

Rosinha nega uso eleitoral do programa, que prevê pagamento de R$ 200 mensais a famílias carentes. Ela diz que, em 2014, reduziu gastos da prefeitura, incluindo o Cheque Cidadão, com a promessa de ampliá-lo após ajuste das contas do município.

Em maio, diz, fez o recadastramento "prometido", ampliando de 25 mil para 27 mil o número de beneficiários.

A Justiça proibiu que o benefício fosse pago em setembro, na véspera da eleição.

Segundo Garotinho, "o delegado que estava investigando essa história, Paulo Cassiano Jr., estava possesso com uma fala da Rosinha".

De acordo com a versão de Garotinho, o pai dele, Paulo Cassiano, é interventor de uma Santa Casa em Campos. Ao responder, numa entrevista, sobre a falta de verbas para o hospital, Rosinha insinuou a hipótese de má aplicação de recursos.

"Ele [delegado] entendeu que a Rosinha estava chamando o pai dele de ladrão. Ele entendeu isso e começou uma cruzada", conta Garotinho.

O ex-governador se diz ainda vítima de retaliação por parte do promotor responsável pelo caso, Leandro Manhães. Garotinho afirma ter denunciado uma ocupação irregular de área de proteção ambiental onde o promotor teria comprado terreno.

Sobre a decisão para que fosse preso, Garotinho afirma que, no dia 4 de novembro, apresentou notícia-crime contra autoridades ao Ministério Público.

Como o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, não pôde recebê-lo, foi agendada uma nova audiência, para o dia 24, quando levaria uma complementação. Garotinho foi detido no dia 16 e liberado no dia 18.

"No dia 9, chega do delegado e do promotor um pedido de prisão. E o juiz indefere por falta de elementos. No dia, 11, ele manda prender. Quem pode pressionar um juiz? Minha prisão não tem a ver com Cheque Cidadão. Foi o pretexto".

Lembrando ter apresentado denúncias contra o governador do Rio, Luiz Fernando Pezão (PMDB), e seu antecessor, Sérgio Cabral (PMDB), Garotinho lista nomes apresentados por ele ao Ministério Público, afirmando: "Não sei qual daqueles 25, 27 denunciados por mim teria mais interesse que eu não voltasse [à Procuradoria] no dia 24".

O ex-governador disse que entrou com representações contra os responsáveis por sua detenção. Ele diz que é um exagero ser chamado de "homem-bomba".

Ao seu lado, Rosinha interrompe mais uma vez: "Eu que falei isso. Ele é homem-bomba, sim. E a Justiça deveria protegê-lo".


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