Folha de S. Paulo


OPINIÃO

Deputados optam pelo atraso ao enterrar o denunciante

Os 450 deputados que aprovaram o projeto de lei que transmutou o pacote anticorrupção em caricatura fizeram a opção preferencial pelo atraso e pela falta de transparência.

Ao enterrar em discussão simplória a figura dos que seriam recompensados por denunciar suborno, o país perde uma das ferramentas mais eficazes no combate à corrupção: a do "whistleblower", traduzida no projeto com o nome infeliz de "reportante de boa fé". Até Uganda tem lei para proteger esse tipo de denunciante.

Nos debates, os deputados equipararam o "whistleblower" ao dedo duro. Nada mais equivocado. O denunciante é aquele que não compactua com o crime. Como a corrupção é, por princípio, um crime que ocorre no subterrâneo, só um denunciante pode romper o pacto de silêncio que sela todo suborno. Daí o sucesso das delações na Operação Lava Jato.

Escândalos do porte da Enron, empresa dos EUA de US$ 64 bilhões que faliu após fraudes em série, manipulações criminosas da indústria do cigarro ou corrupção na polícia em Nova York só foram revelados graças a denunciantes. Os três casos viraram filmes: "Os Mais Espertos da Sala", "O Informante" e "Serpico", respectivamente.

Até São Paulo já se beneficiou de "whistleblower", uma ex-diretora da empresa canadense Brookfield. Graças à proteção aos denunciantes nos EUA, ela revelou que a empresa pagara propina a fiscais para aprovar projetos de shoppings em São Paulo.

Em 2013, na investigação que ficou conhecida como Máfia dos Fiscais, a Brookfield confirmou que dera R$ 4,1 milhões a fiscais para recolher menos impostos.

O ex-ministro da Cultura Marcelo Calero foi, de certa forma, um denunciante de boa fé ao revelar que dois dos ministros mais íntimos do presidente Michel Temer (Eliseu Padilha e Geddel Vieria Lima), haviam feito pressão para que ele aprovasse o projeto de um prédio que o patrimônio histórico havia vetado. Geddel caiu após a revelação.

ONDA GLOBAL

Essa figura é tão eficiente que já foi adotada por mais de 30 países, da Suíça à Jamaica, do Canadá ao Reino Unido. A França aprovou uma lei anticorrupção em setembro que inclui o "whistleblower".

A OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), formada por 34 países, entre os quais os mais ricos do mundo, recomenda a figura do denunciante desde 1998.

Por que uma ideia tão eficiente foi rejeitada na Câmara? Tenho dois ou três palpites.

Os parlamentares estão agindo com o desespero dos condenados por causa da delação da Odebrecht.

Os procuradores que defenderam as Dez Medidas foram inábeis e ingênuos ao tentar impor um pacote fechado aos parlamentares. Não deixaram espaço para eles exercerem suas funções: discutir e propor mudanças.

E o debate na Câmara foi tão raso que restou aos deputados fazer o que sempre fazem quando se sentem acuados: eles defenderam os seus próprios interesses.


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