Folha de S. Paulo


Em conversa gravada, Temer disse a Calero ter sido 'inconveniente'

Alan Marques/Folhapress
BRASÍLIA, DF, BRASIL, 22.11.2016. O ministro-chefe da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima, participa de reunião com índios no anexo do Palácio do Planalto. (FOTO Alan Marques/ Folhapress) PODER///BRASÍLIA, DF, BRASIL, 21.11.2016. O presidente da República, Michel Temer, ao lado do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, comanda a Reunião do CDES - Conselho de Desenvolvimento Econômico Social, no Palácio do Planalto. (FOTO Alan Marques/ Folhapress) PODER///BRASÍLIA, DF, BRASIL, 01.09.2016. O ministro da Cultura, Marcelo Calero, dá entrevista exclusiva sobre os seus100 dias na direção do MinC.(FOTO Alan Marques/ Folhapress) ILUSTRADA *** ESPECIAL FIM DE SEMANA ***
Geddel Vieira Lima, Michel Temer e Marcelo Calero

As transcrições de áudios gravados pelo ex-ministro da Cultura Marcelo Calero confirmam a atuação do principal assessor jurídico da Presidência, Gustavo do Vale Rocha, no caso do empreendimento imobiliário em Salvador (BA) que derrubou o ex-ministro Geddel Vieira Lima (Secretaria de Governo).

Nas conversas, Rocha, subchefe de Assuntos Jurídicos da Casa Civil, subordinado ao ministro Eliseu Padilha, diz que iria "dar entrada" com "pedido protocolar", se referindo a recurso no Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), que havia embargado a obra na Bahia, de interesse de Geddel.

O teor dos telefonemas foi divulgado nesta terça-feira (29) pela Globonews.

Em outro telefonema, o presidente Michel Temer disse ter sido "inconveniente" com o então ministro da Cultura ao insistir para que ele permanecesse no cargo.

"Quero pedir minha demissão e quero que o sr. aceite, por gentileza, porque eu não me vejo mais com... condições e espaço de estar no governo", afirmou o ex-ministro da Cultura.

Temer respondeu ao subordinado: "Se é sua decisão, tem que respeitar. Ontem, acho que até fui um pouco inconveniente, né? Insistindo muito para você... para você permanecer. Confesso que não vejo razão pra isso, mas você terá as suas razões."

As conversas foram gravadas pelo próprio Calero e entregues à Polícia Federal. A crise veio à tona após entrevista do ex-ministro à Folha. Geddel pediu demissão após o jornal revelar o teor do depoimento de Calero à PF.

Temer reclamou publicamente sobre o fato de ter sido gravado. Em coletiva, usou as palavras "indigno" e "gravíssimo" para classificar o ato de registro de ligações.

No diálogo do presidente com Calero, não há menção direta ao caso do prédio embargado pelo Iphan.

Os áudios foram analisados pela PF e depois enviados para o Supremo Tribunal Federal (STF).

A Procuradoria-Geral da República (PGR) vai avaliar o material, junto com o depoimento do ex-ministro, e decidir se pede ou não abertura de inquérito ao Supremo.

Há ainda uma gravação de conversa entre Calero e Padilha. A Globonews também divulgou um trecho em que o ex-ministro da Cultura dizia que a questão do Iphan estava "judicializada". O chefe da Casa Civil pergunta se a Advocacia Geral da União "deu o parecer" ou se foi um advogado que produziu.

Na conversa com Gustavo Rocha, Calero menciona a conversa que teve com Temer sobre o tema: "Eu até falei com o presidente, Gustavo, eu não quero me meter com essa história, não".

Rocha então responde: "O que ele [Temer] me falou pra falar era: 'veja se ele encaminha, e não precisa fazer nada, encaminha pra AGU.'"

ENCAMINHAMENTO

Em nota, Rocha alegou "que iria encaminhar recurso ao Iphan, de autoria de outro advogado, que fora deixado equivocadamente" em seu gabinete.

"O ministro [Calero] havia dito que não tomaria nenhuma decisão, mesmo tendo competência para isso. Por isso, usei a expressão 'dando entrada'. Contudo, jamais se deu seguimento a tal ação, já que o recurso foi devolvido a seu autor", disse o servidor, sem especificar quem seria esse autor.

O subchefe já havia afirmado que tomou a iniciativa porque a AGU é competente para "dirimir conflitos" entre órgãos. Negou, porém, ter sido o "articulador de movimentações" para resolver o caso.

O secretário-executivo do PPI (Programa de Parcerias de Investimentos), Moreira Franco, afirmou que os áudios não causam "impacto nenhum" no governo federal.

Em evento no Palácio do Planalto, ele afirmou que há uma tentativa de "espetacularizar" algo que não incrimina a "atitude séria" do presidente Michel Temer.

"Não só o presidente Michel Temer como os que falaram sabem ter compostura institucional e sabem o que deve e não deve ser feito. E é isso que essas gravações mostram", disse Franco.

AS CONVERSAS, DE ACORDO COM A GLOBONEWS

  • [Calero] Oi, presidente
  • [Temer] Oi, Marcelo. Tudo bem, Calero?
  • [Calero] Como vai o senhor, tudo bem?
  • [Temer] Bem, graças a Deus.
  • [Calero] Maravilha
  • [Temer] Tô aqui por São Paulo hoje.
  • [Calero] Maravilha, presidente.
  • [Temer] Então
  • [Calero] Eu fiz uma reflexão muito grande de ontem para hoje e agradeço...
  • [Temer] Pois não
  • [Calero] Muito por o senhor ter insistido. Quero pedir a minha demissão e quero que o senhor aceite por gentileza. Porque não me vejo mais com condições e espaço de estar no governo.
  • [Temer] Interessante. Tudo bem. Se é a sua decisão, Calero, tem que respeitar. Ontem até acho que fui um pouco inconveniente, insistindo muito para você permanecer. Confesso que não vejo razão para isso. Mas você terá as suas razões.
  • [Calero] Sem dúvida

CONVERSA COM GUSTAVO DO VALE ROCHA

  • [Gustavo do Vale Rocha] Eu tô te ligando que eu tô dando entrada lá com um pedido protocolar. Então, vou protocolar o recurso lá no Iphan.
  • [Calero] Tá
  • [Rocha] Vou protocolar uma cópia aí.
  • [Calero] Tá. Mas eu até falei com o presidente, Gustavo, eu não quero me meter nessa história, não.
  • [Rocha] É. O que ele me falou para falar era: 'veja se ele encaminha e não precisa fazer nada'. Encaminha para a AGU. Falou isso comigo ontem, né. Aí eu falei, não, eu falo isso com ele.
  • [Calero] Bom, tá, eu vou, eu vou fazer uma reflexão aqui, Gustavo.

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