Folha de S. Paulo


Calero diz à PF que Temer o pressionou no caso Geddel

O ex-ministro da Cultura Marcelo Calero disse em depoimento à Polícia Federal que o presidente da República, Michel Temer, o "enquadrou" no intuito de encontrar uma "saída" para obra de interesse do ministro Geddel Vieira Lima (Secretaria de Governo) em Salvador (BA).

O depoimento foi revelado pela Folha no fim da tarde desta quinta (24) e agravou a crise política que envolve o Palácio do Planalto desde a semana passada.

O empreendimento La Vue Ladeira da Barra, embargado pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) em Salvador, está centro da controvérsia.

Na semana passada, Calero pediu demissão e acusou Geddel, em entrevista à Folha, de "pressioná-lo" para o que o órgão de patrimônio vinculado ao Ministério da Cultura liberasse o projeto imobiliário, onde o ministro adquiriu uma unidade.

No depoimento, Calero afirma que as pressões não cessaram após o Iphan finalmente dar parecer contrário ao empreendimento, o que ocorreu em 16 de novembro.
Segundo ele, esse foi o estopim para que sacramentasse a sua demissão.

"Que na quinta, 17, o depoente foi convocado pelo presidente Michel Temer a comparecer ao Palácio do Planalto; que nesta reunião o presidente disse ao depoente que a decisão do Iphan havia criado 'dificuldades operacionais' em seu gabinete, posto que o ministro Geddel encontrava-se bastante irritado."

Calero prossegue: "Que então o presidente disse ao depoente para que construísse uma saída para que o processo fosse encaminhado à AGU [Advocacia-Geral da União], porque a ministra Grace Mendonça teria uma solução", relatou Calero, segundo a transcrição do depoimento enviado ao Supremo Tribunal Federal e à Procuradoria-Geral da República.

O ex-ministro da Cultura afirma que Temer encarou com normalidade a pressão de Geddel, articulador político do governo e há mais de duas décadas amigo próximo do presidente da República.

"Que, no final da conversa, o presidente disse ao depoente 'que a política tinha dessas coisas, esse tipo de pressão'."

O ex-ministro afirma ter se sentido "decepcionado" pelo fato de o próprio presidente não ter lhe dado retaguarda e tê-lo "enquadrado".

"Que, então, sua única saída foi apresentar seu pedido de demissão", declarou Marcelo Calero.

PADILHA

O depoimento foi concedido no Rio, sábado (19), no mesmo dia em que sua entrevista à Folha foi publicada. Além de Temer e de Geddel, Calero implica também o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha. O ex-ministro diz à PF ter recebido uma ligação de Padilha após uma conversa ruim com Geddel.

"Que Eliseu Padilha argumentou com o depoente no sentido de que, se a questão estava judicializada [em torno do empreendimento], não deveria haver decisão administrativa efetiva a respeito."

Foi então, segundo Calero, que Padilha sugeriu que se "tentasse construir essa saída com a AGU".

A ideia, conforme o depoimento, era que a AGU pudesse, de alguma forma, se sobrepor à decisão do Iphan, o que Calero disse ter entendido como irregular.

Apesar das tentativas via AGU, o Iphan acabou dando parecer definitivo sobre o caso e determinou que o empreendimento não tivesse mais do que 13 andares, o que contrariava os interesses da construtora Cosbat, dona do projeto La Vue Ladeira da Barra. Parentes de Geddel são representantes legais do prédio.

"Que após a decisão de mérito, o depoente passou a receber ainda mais pressões, vindas de diversos integrantes do governo".

Calero repete no depoimento o que disse à Folha sobre Geddel. Contou ter sido procurado pelo ministro por volta do mês de junho solicitando que o Iphan recebesse os representantes legais do empreendimento na Bahia e, depois, foi abordado diversas vezes pelo articulador político do Palácio do Planalto de forma "assertiva".

"Que, em 6 de novembro, o depoente recebeu a mais contundente das ligações realizadas por Geddel; que, nesta ligação, Geddel disse ao depoente que não gostaria de ser surpreendido com qualquer decisão que pudesse contrariar seus interesses; que Geddel indagou a respeito do andamento do processo e chegou a dizer que o depoente deveria 'enquadrar' a presidente do Iphan", ou teria de pedir a cabeça dela.

Leia a íntegra do depoimento

TEMER NEGA ENQUADRO

O presidente Michel Temer afirmou nesta quinta-feira (24) que tratou duas vezes com Calero sobre a divergência com o ministro Geddel, mas negou que o tenha pressionado a modificar decisão do Iphan.

Em nota pública, o peemedebista disse também que sugeriu ao ministro que fosse feita uma avaliação jurídica da AGU sobre o tema, uma vez que, segundo ele, o órgão federal tem "competência legal para solucionar eventuais dúvidas entre órgãos da administração pública".

Editoria de Arte/Folhapress
POLÊMICA EM CONSTRUÇÃO Homem forte de Temer, Geddel Vieira Lima é suspeito de pressionar ministro para liberar empreendimento

ENTENDA O CASO

Fev.2014
Projeto de construção La Vue é submetido ao Iphan. Escritório Técnico de Fiscalização, formado por Iphan, governo da Bahia e Prefeitura de Salvador, emite laudo afirmando não ser favorável ao empreendimento por seu impacto paisagístico

Out
Órgão que emitiu laudo contrário ao La Vue é extinto pelo Iphan

Nov
Coordenador-técnico do Iphan na Bahia, Bruno Tavares, discorda do laudo e emite parecer liberando o empreendimento. Liberação?se dá com base em um estudo interno sem valor legal, que delimita área de proteção ao patrimônio no bairro da Barra

Mar.2015
Prefeitura de Salvador libera alvará com base no parecer do Iphan. Obras são iniciadas e apartamentos começam a ser vendidos

Jul
Vereadores de Salvador criticam empreendimento e Geddel rebate, defendendo o edifício nas redes sociais

Set
Instituto dos Arquitetos do Brasil entra com ação civil pública questionando a obra na Justiça

Mai.2016
Após análise do empreendimento, Iphan nacional conclui que edifício é incompatível com a região em que está sendo erguido. Familiares de Geddel assinam procuração e passam a representar empreendimento junto ao Iphan

Nov
Procuradoria recomenda paralisação do empreendimento. Iphan decide embargar a obra

18.nov
Ministro da Cultura, Marcelo Calero, pede demissão; à Folha, afirma ter sido pressionado por Geddel


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