Folha de S. Paulo


'Hoje é dia de boxe', diz procurador da Lava Jato sobre votação na Câmara

O procurador regional da República Carlos Fernando dos Santos Lima, membro da força-tarefa da Lava Jato, fez um apelo à sociedade para que se mobilize para barrar uma provável anistia aos crimes de lavagem de dinheiro e corrupção que estaria sendo gestada na Câmara dos Deputados nesta quinta-feira (24).

Segundo ele, a movimentação dos deputados tem relação direta com a delação de quase 80 executivos da empreiteira Odebrecht, que está em fase final de negociação com as autoridades. A delação deve citar políticos de todos os grandes partidos, como o presidente Michel Temer (PMDB), os ex-presidentes Dilma Rousseff e Lula (ambos do PT) e o chanceler José Serra (PSDB).

"Hoje não é um dia de luva de pelica, hoje é um dia de luva de boxe. Nós não temos mais o que discutir senão fazer os deputados caírem em si", disse Lima. Ele participou de um workshop, na Procuradoria-Geral da República, sobre as dez medidas no contexto de uma convenção das Nações Unidas de combate à corrupção, a Convenção de Mérida.

As dez medidas são um pacote de ações contra a corrupção apresentado ao Congresso Nacional pelo Ministério Público, que recolheu assinaturas de cerca de 2,3 milhões de pessoas. A comissão especial criada na Câmara para analisar as medidas e transformá-las em lei aprovou na noite desta quarta (23) um relatório, que poderá ser levado a plenário ainda nesta quinta (24).

Para Lima, o texto aprovado pelos deputados na comissão causa preocupação, porque muitas das medidas propostas "foram desnaturadas e outras têm aplicação duvidosa". A apreensão maior, porém, é com o que pode vir ao longo do dia. O plenário da Câmara poderá votar um texto substitutivo que inclua anistia aos crimes de lavagem de dinheiro e corrupção e punição a investigadores e juízes.

"Somente a sociedade pode impedir o que está sendo gestado no interior do Congresso Nacional", afirmou o procurador. Segundo ele, fala-se erroneamente em anistiar caixa dois, quando, na verdade, "o que está em jogo é muito maior".

"[A anistia] Acaba com a necessidade da Operação Lava Jato. O que vai ser aprovado nesta noite [na Câmara] é uma anistia para a lavagem de dinheiro", disse. "Querem soltar presos da Lava Jato e do mensalão. O que está em jogo é muito maior."

JANOT

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, por sua vez, disse que espera que o plenário aprove o texto tal como passou na comissão especial. "Caminhamos naquilo que foi possível", afirmou, reconhecendo alguns avanços no relatório.

"Eu reafirmo que eu confio, tenho a certeza de que o Parlamento brasileiro saberá ser sensível não só aos 2,5 milhões de brasileiros que assinaram a iniciativa popular das dez medidas como aos outros milhares de brasileiros que as apoiam. Tenho certeza de que o Parlamento aprovará a espinha dorsal dessas dez medidas sem alterações de monta que possam desfazê-las", disse.

Questionado sobre eventual anistia a crimes como corrupção e lavagem de dinheiro, que podem acompanhar o chamado caixa dois, Janot respondeu que a medida "pode ter reflexo, sim, em processos em curso e em processos já encerrados, porque a lei penal retroage para beneficiar [o acusado], e nunca para prejudicar".

Janot também manifestou preocupação com iniciativas que visem punir investigadores e magistrados. Segundo ele, a atual lei de abuso de autoridade, de 1965, precisa ser modernizada, mas a proposta que tramita no Senado é "muito aberta", não tipifica exatamente quais condutas podem ser consideradas abuso e dá margem a interpretações.


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