Folha de S. Paulo


Iphan na Bahia autorizou prédio com base em estudo sem valor legal

A superintendência do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) na Bahia autorizou em 2014 a construção do edifício "La Vue" com base em um estudo interno, ainda sem valor legal, que traçou uma área de proteção do patrimônio no bairro da Barra, em Salvador.

Erguido numa das áreas mais nobres da capital baiana, o empreendimento virou alvo de polêmica após o pedido de demissão do ministro da Cultura, Marcelo Calero.

À Folha, Calero disse entregou o cargo porque o ministro Geddel Vieira Lima o pressionou para o Iphan emitir um parecer favorável ao empreendimento em Salvador, onde Geddel comprou um apartamento.

Em nota enviada nesta segunda-feira (21), o superintendente do Iphan na Bahia, Bruno Tavares afirma que liberou a construção do edifício "Le Vue" com base em critérios técnicos.

Tavares foi quem assinou o parecer em 2014 liberando a construção do prédio de 30 andares próximo a monumentos tombados, como a Igreja de Santo Antônio e o Forte de São Diogo.

Na época, ele era coordenador-técnico do Iphan baiano.

Segundo Bruno Tavares, ele autorizou a obra com base em uma poligonal de proteção do patrimônio da Barra concebida por técnicos do órgão na qual não constava o terreno do "La Vue".

Na mesma nota, contudo, Tavares afirma que o estudo usado como base para autorizar o empreendimento ainda não havia recebido o crivo do Departamento de Patrimônio Material do Iphan Brasília.

Ou seja, era um estudo interno e ainda não tinha valor legal.

A palavra de final de Brasília sobre a delimitação da área de patrimônio da Barra aconteceu apenas em 2016, mais de um ano depois da autorização das obras o "Le Vue".

Na ocasião, o Iphan discordou dos critérios usados na elaboração da área de proteção ao patrimônio da Barra e recomendou a paralisação de novos empreendimentos naquela região.

Editoria de Arte/Folhapress

A Folha ainda apurou com servidores do Iphan na Bahia que já havia um estudo interno no órgão que determinavam uma área de proteção no bairro da Barra que incluiria o terreno onde começou a ser erguido o "Le Vue".

Mesmo assim, um novo estudo sobre a proteção de patrimônio na área foi feito em 2013, poucos meses antes da constituição da empresa responsável pelo "Le Vue", a Porto Ladeira da Barra Empreendimento.

PARECER

O IAB (Instituto dos Arquitetos do Brasil) ainda aponta irregularidade no parecer emitido em 2014 por Bruno Tavares.

Segundo a entidade, pelo fato de analisar o impacto paisagístico em uma área de bens tombados, o parecer de empreendimento deveria ser assinado por um arquiteto ou urbanista. Tavares é engenheiro civil.

"Entendemos que um engenheiro não tem habilitação para fazer esse tipo de análise, com base na legislação que regulamenta o exercício da profissão", afirma Solange Araújo, presidente do IAB na Bahia.

O parecer de Tavares ainda foi de encontro a um outro parecer anterior assinado por duas arquitetas, uma do Iphan e uma da prefeitura, que deliberaram sobre o assunto do Etelfe (Escritório Técnico de Fiscalização), e recomendaram a readequação do projeto do empreendimento.

Meses depois de emitir o parecer contrário ao "Le Vue", órgão colegiado tripartite com Iphan, Estado e prefeitura, o Etelfe foi extinto.

Segundo Bruno Tavares, a extinção do órgão "não guardou relação com a análise de nenhum empreendimento".

Ele afirma que o órgão foi desativado por orientação da Procuradoria Federal do Iphan em Brasília, que teria verificado a existência de irregularidades em seu funcionamento.


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