Folha de S. Paulo


Conheça o 'michelês', idioma falado pelo presidente da República

Os programas sociais e o ajuste fiscal não foram as únicas coisas que Michel Temer manteve da gestão anterior. Como Dilma Rousseff, ele adotou uma espécie de vocabulário próprio. Se ela abusava do "no que se refere", ele insiste no "exata e precisamente".

Enquanto a petista suprimia verbos de frases, o peemedebista repete à exaustão advérbios de modo e afirma que teve "ajuda divina" na escolha da equipe de governo.

Com o aumento do desemprego, o presidente adotou dois slogans: "O primeiro direito social é o emprego" e "Não fale em crise, trabalhe". O segundo foi retirado de uma placa de um posto de gasolina que faliu.

Para que não seja culpado pela crise, ele faz questão de lembrar que herdou o atual quadro econômico, apesar de ter sido por mais de cinco anos o vice-presidente.

Como em outras decisões, Temer recuou também no linguajar. Para popularizar sua imagem, abandonou as mesóclises.

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'SÊ-LO-IA'

No início de sua gestão interina, em maio, o presidente usava mesóclises (colocações pronominais no meio dos verbos). A utilização foi criticada por ser muito formal e de difícil compreensão popular, o que o levou a um recuo.

"Nenhuma dessas reformas alterará os direitos adquiridos pelos cidadãos brasileiros. Como menos fosse sê-lo-ia pela minha formação democrática e pela minha formação jurídica"
Discurso de posse de ministros -12 de maio

"Quando perceber que houve um equívoco na fala ou na condução do governo, eu reverei essa posição. Não tem essa coisa de não errei, não aceito errar, posso ter errado e procurarei não errar. Mas se o fizer, consertá-lo-ei"
Discurso para anúncio de medidas econômicas - 24 de maio

ADVÉRBIOS DE MODO

Se Dilma Rousseff tinha como hábito suprimir verbos de frases, o sucessor abusa de advérbios de modo. Além de "precisamente", o presidente emprega "evidentemente" e "exatamente" para reforçar o significado de argumentos.

"Evidentemente com a Índia, nós temos grande sintonia com as prioridades do primeiro-ministro no sentido de manter o dinamismo econômico, criar empregos e controlar a inflação"
Declaração em viagem à Índia - 17 de outubro

"E o que eu pretendo trazer é exatamente este, digamos, vou chamar de recomeço do nosso país, que se baseia fundamentalmente na ideia do diálogo"
Declaração em viagem ao Japão - 18 de outubro

EXATA E PRECISAMENTE

A expressão para reforçar uma ideia é empregada com tanta frequência pelo presidente quanto sua antecessora empregava "no que se refere". Em um discurso, chegou a repeti-la três vezes.

"Quando há um certo amargor das pessoas, e isso nós vimos nas ruas, é exata e precisamente em função do desemprego
Discurso durante abertura de reunião ministerial - 31 de agosto

"Vou relatar como eu recebi o governo, exata e precisamente, para evitar que se impute a mim, que se entregue a mim a ideia de que nós somos responsáveis por isso"
Entrevista para a rádio Jovem Pan - 6 de outubro

PRESIDENTE PARLAMENTAR

Com a necessidade de aprovar medidas no Congresso Nacional, Temer adotou a postura de "presidente parlamentar" e faz questão de enfatizar o diálogo que o Planalto passou a ter com o Legislativo.

"É exata e precisamente esse diálogo que nós estamos fazendo. Muito expressivamente com o Congresso Nacional, que nós temos tido, graças a Deus, um sucesso e um apoio extraordinário"
Discurso na abertura do Rio Oil & Gás - 24 de outubro

"Vocês sabem que dialogo muito bem com o Congresso Nacional"
Entrevista em viagem ao Japão - 18 de outubro

REVELAR

O verbo favorito do presidente é usado à exaustão. Segundo levantamento feito pela Folha, ele disse a palavra e suas variações pelo menos 111 vezes desde que assumiu o comando do Palácio do Planalto. Em dois discursos, chegou a utilizá-la sete vezes.

"E nós estamos aqui precisamente para revelar a presença de um novo Brasil"
Discurso em encontro com empresários japoneses - 19 de outubro

"Faz sentido revelar uma experiência pessoal e a experiência que eu vou revelar é apenas para demonstrar como é importantíssimo, nos próximos anos, seguir na trilha que o Brasil vem seguindo"
Discurso durante ratificação do Acordo de Paris - 12 de setembro

'NÃO FALE EM CRISE, TRABALHE'

Com o país com uma taxa de desemprego de 11,8%, a temática do emprego tornou-se obrigatória nos discursos do presidente.

"Eu transitava pela [rodovia] Castello Branco e vi uma placa, em frente a um posto de gasolina, e em outras casas comerciais próximas, e dizia: "Não fale em crise, trabalhe". E eu gravei muito aquilo"
Discurso para associações comerciais - 30 de junho

"O primeiro direito social é o emprego. Então, nós fazemos tudo isso para gerar emprego no país"
Entrevista à Globonews - 13 de outubro

AJUDA DIVINA

O presidente recorre a Deus em discursos para lhe agradecer e pedir sua bênção. A figura divina também é invocada para se referir à equipe ministerial e a iniciativas federais. Para Temer, Deus o ajudou na formação da junta econômica e contribuirá para que ele conquiste a pacificação nacional.

"Eu acho que Deus me ajudou, viu Henrique Meirelles [ministro da Fazenda]. Porque acho que há muito tempo não se via, como disse o Moreira Franco [secretário especial], uma equipe econômica do tamanho dessa que está presente e com a harmonia que nela se verifica"
Discurso em encontro de líderes empresariais - 8 de junho

"A espiritualidade, a religiosidade, especialmente a palavra religião, que vem de 'religo', 'religare', é que permitirá que no nosso trabalho nós possamos fazer a pacificação nacional. Portanto, religar todos os brasileiros. Por isso é que eu invoco a palavra de Deus"
Na abertura do Global Agrobusiness Fórum - 4 de julho


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