Folha de S. Paulo


Motorista confirma uso de carro oficial de estatal em campanha de Doria

Felix Lima - 27.ago.16/Folhapress
Marcio Rea, diretor de Abastecimento da Cesp (Companhia Energetica de Sao Paulo), deixa academia na Bela Vista as 20h15 do dia 27 de agosto de 2016. Credito:Felix Lima/Folhapress
Marcio Rea, diretor de administrativo da Cesp, em agosto

Um motorista ligado à Cesp (Companhia Energética de São Paulo) confirma que levou executivos em carros pagos pela estatal para compromissos em endereços da campanha do agora prefeito eleito de São Paulo, João Doria (PSDB).

Em depoimento à Promotoria Eleitoral, Eduardo Belisário Mendes também afirmou que os veículos eram usados para fins particulares desses funcionários.

A Cesp é uma empresa controlada pelo Estado de São Paulo, comandado pelo governador Geraldo Alckmin, do mesmo partido de Doria. Mendes foi ouvido pelo promotor José Carlos Bonilha, que investiga suposto uso da estrutura do governo em favor da campanha de Doria.

O caso veio à tona após uma reportagem da Folha mostrar que durante o mês de julho o diretor administrativo da companhia, Márcio Rea, usou carros com motoristas pagos pela empresa para ir a compromissos políticos e particulares.

Mendes disse em depoimento "que levou tanto Márcio Rea, diretor da Cesp, quanto Alexsandro Peixe Campos, gerente, por algumas vezes durante o expediente da companhia ao comitê de campanha e ao escritório político de João Doria".

Mendes é funcionário da Rentauto, empresa de aluguel de automóveis que tem contrato com a Cesp, e presta serviços à estatal há quase dois anos. O motorista disse que, além dos compromissos de campanha com Doria, levou Rea para sessões de pilates e conduziu sua filha para aulas particulares.

No depoimento, o motorista também afirmou que fez serviços particulares para Campos em horário de expediente e com carro pago pela Cesp. "O depoente informa que, utilizando carro oficial, fez viagens ao interior do Estado de São Paulo em benefício do gerente Alexsandro", diz a Procuradoria.

Mendes disse que não havia um controle sobre os trajetos e os objetivos das viagens. "Nunca foi orientado a preencher qualquer tipo de relatório diário dando conta do itinerário ou de qualquer um dos locais para os quais tenha se dirigido."

DIVERGÊNCIA

Outro motorista que trabalhou com Rea, Marco Antonio da Silva, também prestou depoimento. Ele disse que "nunca levou Rea ao comitê de campanha do então candidato João Doria". Relatou, porém, que transportou Rea até uma sessão de pilates, ocasião em que o executivo foi abordado pela Folha.

A Cesp passa por grave crise financeira e acumulou prejuízo de R$ 61,4 milhões no ano passado.

Os consumidores do Estado foram chamados a dar sua parcela de contribuição e arcaram com aumentos nas contas de luz. O secretário da Fazenda de São Paulo, Renato Villela, chegou a admitir a possibilidade da venda da companhia.

A empresa afirmou, em agosto, que gastava com os carros fornecidos a Rea e Campos o valor de R$ 7.324,98 mensais. Os dois dirigentes acumulam com o cargo na Cesp os postos de conselheiros da Emae (Empresa Metropolitana de Águas e Energia de São Paulo).

OUTRO LADO

A Cesp enviou nota dizendo que "não se manifestará sobre os questionamentos ora propostos, tendo em vista que os fatos narrados na matéria jornalística encontram-se sob análise do Ministério Público do Estado de São Paulo."

Quando a reportagem da Folha foi publicada, no dia 14 de agosto, a assessoria de imprensa da companhia disse que uma sindicância seria instalada e o resultado sairia em 30 dias, o que não aconteceu. Até o momento não houve um resultado na investigação interna da Cesp. Quase três meses depois da denúncia publicada pela Folha os motoristas, principais testemunhas do caso, não foram ouvidos pela estatal. A Cesp também não solicitou à locadora Rentauto as informações do rastreamento por GPS dos automóveis usados por Rea e Campos.

O diretor administrativo, Marcio Rea, diz ter usado carro e motorista da Cesp para ir ao pilates por conta de um problema físico, mas alega ter reembolsado a companhia em R$ 1.629,03.Desde setembro a Folha questiona a Cesp sobre como qual o cálculo usado para definir o valor, mas não obtém resposta. A estatal também não comenta o que está sendo feito na sindicância e nem quando ela será encerrada.

Alexsandro Campos disse ter ido ao comitê de Doria, mas não se recorda de ir com o carro pago pela Cesp. "Eu acho que nunca fui lá por perto com o motorista. Eu acho". "Nós passamos perto lá, posso ter encontrado alguém, de cabeça eu não me lembro", disse Campos.

Rea e Campos negam ter trabalhado para a campanha do candidato tucano. Rea disse que decidiu ir até o escritório político de Doria sem ser convidado por ser simpatizante da legenda.

Campos, alega que sequer é filiado ao PSDB. Ele, porém, tem histórico de trabalho para os tucanos. Ele foi durante três anos chefe de gabinete do então deputado federal José Aníbal. Em 2006,trabalhou na parte administrativa da campanha presidencial do candidato tucano José Serra. Ganhou R$ 109 mil em cinco parcelas para trabalhar por três meses fazendo serviços administrativos, como preencher recibos eleitorais, fazer arquivo, cuidar da prestação de contas internamente.

O PSDB, em nota, disse que a "empresa em referência prestou adequadamente os serviços para a qual foi contratada durante todo o período eleitoral de 2010, incluindo-se a prestação de contas eleitoral, assistindo a Coordenação Administrativa e Financeira nos trabalhos de compras, pagamentos, contabilidade e contratação dos demais prestadores de serviços regularmente declarados em contabilidade da campanha eleitoral e do partido". O valor da remuneração, segundo o partido, foi exatamente R$ 109 mil.

Quanto ao fato de o motorista ter dito que Campos viajava para ele para buscar carros em outras cidades, Campos disse que vende automóveis a pessoas do governo, numa atividade paralela. Mas nega que as viagens tenham acontecido em horário de expediente ou que tenham sido feitas com carro pago pela Cesp.

"Se ele (motorista) foi durante a semana, foi sem minha autorização", disse Campos. "Ele não ia pela Cesp. Se ele está falando isso aí, ele esta sendo muito injusto. Eu fui ajudá-lo, porque ele me pediu. Eu pagava a ele R$ 200, R$ 300 por viagem. Esse era um bico que ele fazia para mim. Não tem nada a ver".

A Folha entrou em contato com os motoristas Eduardo Belisário Mendes e Marco Antonio da Silva. Mendes se recusou a dar entrevista. Disse que nada tinha a comentar sobre o assunto. Silva também não quis falar com a reportagem e disse que tudo que tinha a dizer, disse ao Ministério Público.

A assessoria de João Doria sempre negou que Rea ou Campos tenham participado da campanha do tucano.


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