Folha de S. Paulo


Ascensão evangélica é positiva, diz Mangabeira

Danilo Verpa/Folhapress
SAO PAULO - SP - 27.08.2015 - Entrevista com Mangabeira Unger, ministro da Secretaria de Assuntos Estrategicos no escritorio da presidencia em Sao Paulo. (Foto: Danilo Verpa/Folhapress, PODER)
Mangabeira Unger, ex-ministro de Dilma e Lula

Ex-ministro de Dilma Rousseff e Luiz Inácio Lula da Silva, Roberto Mangabeira Unger, 69, elogia a ascensão política dos evangélicos e diverge da interpretação de que a eleição municipal representou o avanço da direita e do conservadorismo pelo país.

Definindo-se como "pensador de esquerda", o ex-peemedebista, hoje filiado ao PDT, colabora com a possível candidatura de Ciro Gomes à Presidência em 2018. Em entrevista à Folha, disse que o governo de Michel Temer mostra "falência intelectual".

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Folha - Quais as consequências da ascensão política dos evangélicos?

Mangabeira Unger - O desmerecimento preconceituoso dos evangélicos é um dos maiores escândalos de nossa vida nacional. Eles encarnam a nova consciência que se afirma no país: cultura de autoajuda e de iniciativa.

Difunde-se essa consciência a partir de pequena burguesia empreendedora, evangélica e católica, e alcança número crescente de trabalhadores mais pobres.

A teologia da prosperidade pode ser produtiva economicamente?

O cerne da teologia neopentecostal não é o culto da prosperidade conquistada pelo esforço individual; é a reverência pelo empoderamento dos crentes. Há muito a criticar, a começar pela tentação de isolar-se em comunidades pautadas por padrões superiores de conduta em vez de lutar para reconstruir as instituições econômicas e políticas. Se estiver, porém, calcada no desrespeito e no desconhecimento, a crítica não presta.

Então, é positiva a ascensão dos evangélicos para o país?

Como pode não ser boa se são mais de 40 milhões de brasileiros? Como se pode imaginar vida política no país sem a sua participação? É uma distorção da ideia republicana imaginar que as pessoas não possam legitimamente inspirar as suas convicções políticas em convicções religiosas.

Há setores na esquerda que acham incompatível ter simpatia pelo segmento evangélico e empreendedor.

A ideia central da esquerda —do único tipo de esquerda que vale a pena preservar— é a concepção do engrandecimento dos homens e das mulheres comuns. A diminuição das desigualdades é acessória a esse objetivo. Não repitamos no Brasil a trajetória calamitosa da esquerda europeia, que demonizou a pequena burguesia, ajudando a convertê-la em sustentáculo dos movimentos de direita e distanciando-se das aspirações reais dos trabalhadores.

As eleições municipais representam vitória para a direita?

A interpretação de que a eleição foi avanço da direita e do populismo sem definição programática é distorcida.

Vários dos políticos eleitos são classificados como de direita porque são próximos a essa pequena burguesia empreendedora a que me referi. A esquerda gosta de vê-los como conservadores e seus representantes, portanto, como políticos de direita, mas eles não se veem assim.

O que mostram os resultados?

O eleitor tratou de sobreviver: defender-se e resguardar sua comunidade. Desprezou rótulos ideológicos convencionais. Escolheu sem levar a sério o discurso que os partidos preferem porque imaginam, falsamente, que o povo quer açúcar.

Confia na saída da crise pelo programa do governo Temer?

O governo que acaba de ascender na onda do desastre apresentou como fórmula o corte das despesas públicas, condição necessária, porém radicalmente insuficiente.

Ao cingir-se a essa fórmula, as forças que tomaram o poder decretaram falência intelectual: não têm a menor ideia do que fazer, a não ser trancar o cofre e deixar chaves nas mãos dos credores da dívida pública, na esperança vã de que tanta obediência produza muito investimento.

O resultado desabará sobre a cabeça da maioria trabalhadora.


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