Folha de S. Paulo


ANÁLISE

Cunha terá de 'cuspir sangue' para se tornar delator

Menos de uma hora depois da prisão de Eduardo Cunha, um general da Lava Jato definiu o clima na capital. "Os estoques de Rivotril em Brasília vão desaparecer das gôndolas das farmácias."

A referência ao ansiolítico e a ironia com políticos poderosos tem razão de ser.

Tão logo a prisão preventiva do ex-presidente da Câmara foi anunciada, Brasília entrou em verdadeira ebulição.

Ministros, auxiliares do governo e, em especial, deputados federais ficaram atônitos.

O temor da delação premiada de um dos mais influentes parlamentares da história do Congresso tomou conta de muita gente.

Eduardo Cunha é um arquivo privilegiado sobre os usos e costumes da política brasileira. Financiou campanhas de colegas, fez favores e ergueu a sua própria bancada. Por isso tanto calafrio.

Apesar de tamanho nervosismo, sabe-se que uma ala da Lava Jato nunca caiu de amores pela ideia de vê-lo celebrando uma delação.

Não muito tempo atrás, procuradores da operação chegaram a recorrer a um dito popular para fazer o seguinte paralelo: um acordo assim equivaleria a fazer um "pacto com o diabo".

Em outras palavras, a contar pelo humor de parte do Ministério Público Federal, o peemedebista terá de "cuspir sangue" -expressão usada por um dos investigadores- se quiser virar delator.

Sofrerá mais, "muito mais do que a Odebrecht", para ter direito ao benefício, garante um general da força-tarefa.

Apesar das dificuldades, ninguém que esteve com Eduardo Cunha ao longo dos últimos anos pode se dar ao luxo de respirar aliviado.

A Lava Jato não é um ser uno. Tem lá suas divisões internas e diferentes esferas de comando.

Eis um exemplo disso: se a Procuradoria-Geral da República, eventualmente, não se interessar pelo caso, nada garante que Curitiba siga os mesmos passos.

E se o Ministério Público por ventura não o quiser como colaborador da Justiça, nada impede que a Polícia Federal resolva fechar um acordo sozinha. Por isso, a história de Cunha na Lava Jato só começa, de fato, agora.

E mesmo que seus algozes não queiram trocar acusações por redução de pena, o deputado cassado ainda pode abrir a boca. Tem, aliás, um livro inteiro com muita história cabeluda para contar.

Afinal, o ex-presidente da Câmara e personagem central da política na última década não faz o tipo heroico. Não irá para a forca sozinho.


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