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Propina foi paga dentro da Assembleia de São Paulo, diz delator

Fabio Braga/Folhapress
A Assembleia de SP, onde, segundo delator da Operação Alba Branca, houve pagamento de propina
A Assembleia de SP, onde, segundo delator da Operação Alba Branca, houve pagamento de propina

A entrada, a área externa e até o restaurante da Assembleia Legislativa de São Paulo serviram como ponto de encontro para pagamentos de propina a dois ex-assessores do presidente da Casa, Fernando Capez (PSDB), de acordo com depoimento do principal delator da Operação Alba Branca ao Tribunal de Justiça, no último dia 27.

Deflagrada em janeiro, a Alba Branca investiga um suposto esquema de fraudes e desvios na merenda em contratos entre a Coaf (Cooperativa Orgânica Agrícola Familiar), prefeituras e a Secretaria da Educação do governo Geraldo Alckmin (PSDB).

A parte da investigação relativa a dois contratos com o Estado, para entrega de R$ 11,4 milhões em suco de laranja, tramita no Tribunal de Justiça porque envolve Capez, que tem foro especial.

Segundo o delator Marcel Ferreira Julio, tido como lobista da Coaf, os pagamentos aos ex-assessores do gabinete do tucano Jéter Rodrigues Pereira e José Merivaldo dos Santos foram feitos em dinheiro vivo ao longo de 2015, à medida que o Estado pagava pelo suco fornecido.

"Era feito em dinheiro, eles [membros da Coaf, sediada em Bebedouro] sacavam, vinham para São Paulo, a gente se encontrava em algum lugar e toda vez era pagamento em dinheiro, em alguns lugares na Assembleia, para os dois [ex-assessores]; fora, na entrada, no restaurante, sempre por ali", disse Marcel.

A Justiça quebrou sigilos bancário e fiscal dos suspeitos e de firmas ligadas a eles. No caso de Capez, também foi quebrado posteriormente seu sigilo relativo a investimentos na bolsa de valores.

Marcel reafirmou ao desembargador do caso, Sergio Rui, o que havia relatado ao Ministério Público em abril: que os dois ex-assessores lhe disseram que parte da propina ia para despesas da campanha de Capez de 2014.

Pereira, que atuou no gabinete de Capez de 2013 até o final de 2014, assinou ao menos oito recibos de "comissões", obtidos pela investigação, que totalizam R$ 171 mil.

O valor combinado para os ex-assessores, segundo o delator, era de R$ 200 mil. Outros "400 e poucos mil" seriam para a campanha, conforme o que Pereira e Merivaldo afirmavam a Marcel.

ENREDO

O delator relatou à Justiça que foi procurado pela Coaf em meados de 2014 porque a cooperativa havia vencido, em 2013, um certame para fornecer suco às escolas estaduais, mas o contrato não tinha sido assinado e a entidade estava tendo prejuízo para armazenar a produção.

Marcel, então, procurou no fim de julho um amigo seu, Luiz Carlos Gutierrez, o Licá, que à época trabalhava na campanha de Capez. Hoje, Licá é assessor do deputado.

Houve dois encontros, segundo o depoimento, entre Marcel, Licá e Capez, no escritório político do tucano. Nessas ocasiões, o lobista teria explicado o problema da Coaf e deixado portfólio da entidade.

Em um desses encontros, Marcel disse que o deputado conversou por telefone, na sua frente, com o então chefe de gabinete da Secretaria da Educação, Fernando Padula, para interceder pela Coaf.

"Na saída, tinha bastante gente na antessala, ele [Capez] rindo, brincando, fez com o dedo: 'Ó, não vai esquecer de mim'", relatou Marcel. Naquele momento, Capez estava em campanha eleitoral.

O desembargador perguntou ao depoente se, com o gesto, Capez havia pedido dinheiro à Coaf. Marcel respondeu que o deputado "estava brincando", já que havia outras pessoas no local.

Cerca de dez dias depois, ainda segundo o depoimento, Jéter Pereira –que até então Marcel não conhecia– ligou para ele e marcou reunião na Assembleia. Ao encontrá-lo, Pereira tinha sobre sua mesa portfólio da Coaf e disse que "o deputado havia passado o assunto da secretaria [da Educação] para ele".

A partir daí, o lobista afirmou que passou a tratar do assunto apenas com Pereira e o outro assessor, Merivaldo.

Em 21 de agosto, poucos dias após essas movimentações, a Educação abriu novo edital para adquirir suco e contratou a Coaf.

A cooperativa dizia vender suco orgânico de pequenos produtores, que é mais caro. Na verdade, ela comprava suco da indústria comum e o revendia por um preço superior –o que permitia lucrar o suficiente para pagar propinas.

OUTRO LADO

O presidente da Assembleia Legislativa, Fernando Capez (PSDB), afirmou em nota que repudia com indignação a tentativa de envolver seu nome com a Operação Alba Branca. Disse ainda que todas as testemunhas têm esclarecido que seu nome "foi usado" por terceiros.

A nota destaca um trecho do depoimento de Marcel Julio ao Tribunal de Justiça, em que o lobista disse que nunca tratou de dinheiro diretamente com o tucano: "Não tenho intimidade com o deputado Fernando Capez, até porque [ele] nunca me pediu dinheiro e nunca tive intimidade sobre isso".

Procurados, os ex-assessores Jéter Rodrigues Pereira e José Merivaldo dos Santos não se manifestaram sobre o depoimento de Marcel e sobre os supostos pagamentos.

Em ocasiões anteriores, ambos negaram envolvimento com irregularidades. Jéter negou que tenha recebido dinheiro da Coaf.

Tanto Pereira como Merivaldo são funcionários de carreira na Assembleia –o primeiro se aposentou em maio, no meio das investigações, e o último está de licença para tratar uma doença.

Daniel Bialski, advogado de Luiz Carlos Gutierrez, afirmou que seu cliente "nunca atendeu ou conversou com o citado Marcel sobre a Coaf".

Editoria de arte/Folhapress

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