Folha de S. Paulo


PF indicia Lula e vê atuação de petista para favorecer Odebrecht

A Polícia Federal indiciou sob suspeita de corrupção o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, acusado de beneficiar um parente, Taiguara Rodrigues, em contratos com a empreiteira Odebrecht. Rodrigues, sobrinho da primeira mulher de Lula, e Marcelo Odebrecht, ex-presidente e herdeiro da construtora, foram indiciados sob suspeita de corrupção e lavagem de dinheiro.

Segundo a investigação, o ex-presidente teria beneficiado o empresário, que trata como sobrinho, por meio da Odebrecht em contratos em Angola. Lula também teria recebido recursos ilícitos ao atuar na liberação de recursos junto ao BNDES a favor de obras do grupo baiano em Angola. Ao todo, a empreiteira recebeu cerca de US$ 1,5 bilhão do banco estatal para investir no país.

Enviado na terça (4) para análise do MPF (Ministério Público Federal), o relatório final assinado pela delegada Fernanda Costa Oliveira, que esteve à frente das investigações, diz que a Exergia Brasil, empresa de Rodrigues, foi subcontratada pela Odebrecht para prestar serviços no país africano sem nunca ter estrutura ou funcionários para executá-los.

Na avaliação dos investigadores, a função da Exergia era apenas a de receber propina, sendo que parte dela teria sido remetida a Lula.

Em nota, a PF afirmou que as provas recolhidas demonstram que a Odebrecht teria pago R$ 20 milhões à empresa Exergia (em valores atualizados o valor chegaria a R$ 31 milhões).

O repasse, feito por meio de 17 contratos entre 2009 e 2015, ocorreu sem a devida prestação dos serviços de engenharia em empreendimentos de infraestrutura financiados pelo BNDES em Angola, segundo os investigadores.

As provas recolhidas e o relatório elaborado pela Polícia Federal seguem sob análise do Ministério Público Federal, que decidirá sobre eventual denúncia à Justiça dos investigados indiciados.

MENSAGENS

Trocas de mensagens entre Rodrigues e Valmir Moraes, um dos seguranças de Lula, indicam que o empresário falava com frequência com o petista sobre sua atuação em Angola, inclusive quando o "tio" ainda era presidente.

De acordo com as mensagens Lula e Rodrigues ficaram no hotel Epic Sana, onde se reuniram. Um pouco antes de se encontrarem em Luanda, Rodrigues enviou mensagem ao celular do segurança pedindo para que ligasse para ele.

Lucio Bernardo Junior - 15.out.2015/Câmara dos Deputados
Audiência pública para tomada de depoimento do proprietário da empresa de engenharia Exergia Brasil, Taiguara Rodrigues dos Santos
Empresário Taiguara Rodrigues dos Santos depõe em audiência pública

O relatório também traz conversas de 2015 do empresário com José Emanuel Ramos, seu sócio em algumas empresas, como a G74, que nunca teve atividade profissional e servia para lavar dinheiro da Exergia, segundo a PF. Nelas, Rodrigues diz que teve uma reunião muito boa com o presidente da Odebrecht.

No dia seguinte, Ramos diz a ele que visitou todos os diretores da empreiteira baiana. Em ambos os casos, não há clareza se as conversas aconteceram no Brasil ou no exterior.

Posteriormente, Rodrigues disse que pediu que o presidente da Odebrecht em Angola, Antônio Daiha Blando, enviasse projetos para ele decidir com "um tio", que seria Lula. O empresário afirma que Daiha poderia criar um contrato fictício para obras da hidrelétrica de Cambambe, em Angola. A reforma da usina recebeu US$ 400 milhões do BNDES. Só nesse contrato, a empresa de Rodrigues faturou R$ 3,5 milhões.

Em um documento de 2008 apreendido com o empresário, ele relata que teve uma conversa de 50 minutos com Lula, que tinha lhe dado "carta branca".

Cerca de 20 dias depois, há o registro de troca de mensagens entre Rodrigues e Hélder João Beijo, ex-funcionário do Tribunal de Contas em Angola, em que ele diz que iria para Brasília tratar da constituição da Exergia. Menos de seis meses depois a empresa foi aberta.

Em outra conversa, Rodrigues diz ao interlocutor de Angola que foi informado que o pecuarista José Carlos Bumlai o procurou a pedido do "chefe maior", para tocar juntos projetos no país africano.

PARTICIPAÇÃO

Para a PF, Lula houve a participação direta para que Rodrigues abrisse a empresa.

O relatório é a conclusão da Operação Janus, deflagrada em maio e que teve Taiguara como dos alvos.

Em depoimento à PF, o empresário afirmou que recebeu os R$ 20,6 milhões para intermediar contatos para a Odebrecht em Angola via sua empresa. Ele também conformou que o único cliente que a sua empresa teve foi a empreiteira baiana.

Uma secretária da Exergia ouvida pela PF aumentou a suspeita de que a empresa só existiu no papel. Ela afirmou, em depoimento, que pagava apenas despesas pessoais de Rodrigues, e que estas eram muito altas.

OUTRO LADO

A assessoria do ex-presidente Lula informou que ele "tem sua vida investigada há 40 anos, teve todas as suas contas e de seus familiares devassadas, seu sigilo bancário, fiscal e telefônico quebrado e não foi encontrada nenhuma irregularidade".

Em nota, a assessoria afirma que Lula "sempre agiu dentro da lei antes, durante e depois de ocupar dois mandatos eleitos como presidente da República".

O texto faz críticas à imprensa, dizendo que os advogados de Lula irão analisar o documento da PF, "vazado para a imprensa e divulgado com sensacionalismo".

"Essa prática deixa claro que não são processos sérios de investigação, e sim uma campanha de massacre midiático para produzir manchetes na imprensa e tentar destruir a imagem do ex-presidente mais popular da história do país."

Em nota, os advogados Cristiano Zanin e Roberto Teixeira, que defendem Lula, afirmam que "mais uma vez" repudiam " vazamentos de informações relativas a investigações e a processos" em detrimento da defesa do ex-presidente.

Afirmaram ainda que pediram cópia do relatório elaborado pela PF e que foi enviado ao MPF, mas que a solicitação foi negada.

"É estranho, para dizer o menos, que no dia seguinte à remessa dos autos do inquérito policial para o Ministério Público Federal a imprensa receba com primazia –inclusive em relação aos advogados constituídos– cópia do relatório elaborado pela Polícia Federal, que, ao mesmo tempo, é negado à defesa. Privilegia-se o espetáculo em detrimento às garantias fundamentais", escreveu a defesa do ex-presidente.

Zanin e Teixera relataram que em setembro Lula foi ouvido pela delegada que conduziu o caso "sem as garantias e direitos de qualquer investigado".

No relato à PF, Lula esclareceu, segundo os advogados, "que Taiguara Rodrigues não chegou a conversar com ele sobre a criação da empresa Exergia Brasil" e que nunca tratou de relações comerciais com o empresário.

"Isso significa dizer que há exatos 16 dias úteis não havia qualquer elemento concreto nos autos do citado inquérito policial que pudesse sugerir a existência de qualquer indício da prática de um ilícito", emendou.

O advogado Roberto Podval, que defende Taiguara Rodrigues, afirmou que apesar de não ver crimes apontados no relatório da PF, acredita que o indiciamento é positivo para que se entenda do que o empresário está sendo acusado. "O indiciamento ajuda a defesa a localizar as acusações do cliente e confere a ele todas as garantias processuais a ele, inclusive a de se manter calado".

A Odebrecht não quis se manifestar sobre o caso.


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