Folha de S. Paulo


Carmen Lúcia diz que só conversará com o Congresso se for convidada

Pedro Ladeira/Folhapress
Carmen Lúcia cumprimenta Michel Temer na cerimônia de posse como presidente do STF
Carmen Lúcia cumprimenta Michel Temer na cerimônia de posse como presidente do STF

Em café com jornalistas nesta sexta-feira, a presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministra Cármen Lúcia, se esquivou de temas espinhosos, disse que só conversará com o Congresso quando convidada e adiantou que a corte deverá votar até o fim do ano a ação que discute e legalidade do aborto para grávidas infectadas com Zika.

A Associação Nacional dos Defensores Públicos (Anadep) entrou com um pedido de liminar (decisão imediata e provisória) para que o Supremo autorize a interrupção da gestação em mulheres que contraíram Zika.

Na avaliação da ministra, esse processo é "mais delicado" do que o julgado em 2012, quando a corte permitiu aborto para casos de fetos anencéfalos.

"É outra coisa, completamente diferente. Eu acho que é mais delicado por causa do momento que estamos vivendo, a sociedade quer participar. Acho que dá (para julgar) até o fim do ano a (liminar)", estimou.

Cármen Lúcia falou sobre a relação entre poderes. Disse que não vê problemas em dialogar com o Congresso, mas fez uma ressalva: "Só vou conversar se for questionada sobre alguma coisa, e também só sendo (um encontro) público, para ficar tudo claro: o que está sendo conversado e por que. Tenha certeza que será tudo público", avisou.

Ela comentou também a diferença do tempo de tramitação dos processos no STF e na primeira instância, onde costumam ser concluídos com mais velocidade. Lembrou que, diferentemente dos juízes de primeiro grau, ministros trabalham em diversas ações ao mesmo tempo. "Ministro não pode ficar por conta de uma causa[...] e são muitas demandas", disse.

A presidente do Supremo classificou como "super importantes" os processos que questionam planos econômicos antigos, mas não estabeleceu prazo para pautá-los. As ações podem gerar impactos bilionários no caixa da União.

"É claro que esse é um tema super importante que eu tenho que considerar e estou fazendo isso junto com os relatores, mas não sei se vamos julgar até o fim do ano", afirmou.

A judicialização da saúde, com o aumento de concessão de liminares que obrigam o Estados a fornecer medicamentos e tratamentos de alto custo, é outro ponto que vem fazendo parte da rotina da presidente do STF.

"Alguém chega e diz assim: 'meu pai está na porta do hospital e não consegue entrar'. O juiz primeiro salva a pessoa e depois pergunta quem paga (a conta). Então, o Supremo tem que dar algumas diretrizes, opinou.

"Há uma injeção de R$ 300 mil por mês não experimentada, não autorizada pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). O juiz dá. Pode? Qual o limite disso? Porque você tem o orçamento também. Essas questões são do cidadão de hoje, do cidadão de um Brasil em que graças a Deus acredita que tem direito", considera a presidente.

Assim como fez em sua primeira sessão no comando da corte, ela criticou o machismo enfrentado pelas mulheres brasileiras e defendeu uma presença feminina mais numerosa no Supremo.

"São requisitos constitucionais (para a nomeação de ministro do Supremo) notório saber e reputação ilibada. Há mulheres que tem notório saber? Há. As coisas (notório saber e o aumento da participação feminina) não se excluem. Nós queremos mais mulheres em postos (de destaques) porque elas chegaram", disse.

IMPEACHMENT

Tida como uma servidora rigorosamente austera, Cármen Lúcia esquivou-se de adiantar o que pretende fazer em relação ao projeto de lei que reajusta o salários dos ministros de R$ 33,7 mil para R$ 39,3 mil, em tramitação no Senado. Nos bastidores, sabe-se que ele é contra o aumento.

Ela saiu-se com bum humor quando instada a comentar o processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.

"Um dia eu te conto isso, mas não será hoje. Conversamos numa outra ocasião", disse.

Perguntada se, devido à grande quantidade de demandas que chegam ao tribunal atualmente, o Supremo voltou a ser a Casa do Suplicação, como no século 19, a ministra disse preferir outro título. "Da Suplicação? A gente podia arrumar um nome melhor, como Casa da Pacificação", sugeriu.

Ela contou ainda casos em que não foi reconhecida, como no dia em que ajudou uma senhora que se feriu num assalto a chegar em casa.

Segundo Cármen Lúcia, a moça queria presenteá-la com R$ 2. "Ela me disse: 'é pouco, mas é de coração", afirmou, acrescentando que recusou a oferta. "Eu respondi: 'você já me paga, sou servidora pública".


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