Folha de S. Paulo


Senador articulou emenda para empresa, sugere e-mail

Eduardo Anizelli/Folhapress
O senador Magno Malta (PR-ES), discursa durante sessão do impeachment de Dilma
O senador Magno Malta (PR-ES), discursa durante sessão do impeachment de Dilma

E-mails da cúpula de uma fabricante de armários de cozinha e de uma funcionária do Senado sugerem que o senador Magno Malta (PR-ES) articulou uma emenda no Congresso para beneficiar diretamente a empresa.

Os e-mails, aos quais a Folha teve acesso, tratam da inclusão de armários de cozinha no escopo do programa Minha Casa Melhor, lançado em junho de 2013 pela ex-presidente Dilma Rousseff.

O programa dava crédito de R$ 5.000 para beneficiários do Minha Casa, Minha Vida mobiliarem seus imóveis. Inicialmente, previa o financiamento de cama e sofá, por exemplo, deixando de fora os armários de cozinha.

A Cozinhas Itatiaia é uma das maiores do setor no país. Como a Folha noticiou em agosto, outros e-mails da direção da firma indicam, sem dar o motivo, que Malta recebeu, em 2014, R$ 100 mil não declarados da Itatiaia, além de ter voado em seu jatinho. Ele nega ter recebido o valor.

Em 13 de junho de 2013, o presidente da Itatiaia, Victor Penna Costa, escreveu a Hugo Gabrich, seu ex-assessor: "Como colocamos pra dentro?", referindo-se aos armários e ao Minha Casa Melhor.

Gabrich respondeu, minutos mais tarde: "Já estou entrando em contato com o Magno, vai me ligar já! Temos que articular!!!!!".

Em 17 de junho de 2013, o gerente de marketing da empresa, Mauro Bicalho, escreveu a Costa e Gabrich que o valor máximo para financiar móveis de cozinha, pelo programa, deveria ser R$ 1.100, a fim de beneficiar a Itatiaia.

"Valor menor que esse estaremos trabalhando para cozinhas 'tipo' Imop, Poquema, Aramóveis [outras fabricantes]...", diz a mensagem.

Passados três dias, a auxiliar Ana Paula Guedes Saide, comissionada no gabinete de Malta, enviou um e-mail à Itatiaia sob o título "Medida Provisória nº 620/2013" -tal MP dava as bases do programa Minha Casa Melhor.

"Cumprimentando-o cordialmente e de ordem do Sr. Hazenclever, encaminho anexo", escreveu a auxiliar.

Hazenclever Cançado é o chefe de gabinete de Malta. Anexada à mensagem havia uma cópia escaneada de uma emenda à MP -assinada pelo ex-senador Gim Argello (PTB-DF), que neste ano viria a ser preso pela Lava Jato.

"Estarão entre os bens de consumo duráveis [...] armários de cozinha de aço ou madeira, no valor máximo de R$ 1.100", propunha a emenda, datada de 18 de junho de 2013. Conforme o site da Câmara, por onde tramitaria a proposta se fosse aprovada no Senado, essa era a data final para a apresentação de emendas à MP 620.

A respeito do texto da proposta, Gabrich escreveu a Costa: "O primeiro e importantíssimo passo foi dado. Para se ter uma ideia, ontem foi o último dia para apresentação de emendas, veja se esta não está com o nosso DNA?".

No entanto, semanas depois, em 13 de julho de 2013, Costa sugeriu que não iria esperar a Câmara aprovar a emenda e apontou, então, outra frente de ação.

"Acho que pela Casa Civil dá... pela Câmara não vai dar para nós, orçamentos super estourados, vendas em baixa, lucro minguado", disse.

'MAIS UMA FRENTE'

Mais de um mês depois, em 29 de agosto de 2013, Costa recebeu um e-mail da Prefeitura de Ubá (MG), cidade onde fica a sede da Itatiaia, informando que o prefeito Vadinho Baião (PT) pediu em ofício à presidente Dilma que incluísse no programa os armários de cozinha.

A mensagem trazia uma resposta do gabinete de Dilma acusando o recebimento do pleito. "Mais uma frente para inclusão da cozinha no MCM [Minha Casa Melhor]", comentou Costa a Gabrich.

Em discurso em Campinas (SP) para entregar unidades do Minha Casa, Minha Vida nessa mesma data, Dilma mencionou o episódio.

"Um pessoal, lá em Minas Gerais, falou para mim: 'Presidenta, faz o seguinte, bota não só a cama e o colchão, [...] bota também o armário de cozinha'. Nós vamos fazer uma revisão e, se der certo na discussão com o varejo, nós vamos botar armário de cozinha", disse a ex-presidente.

O programa foi expandido em dezembro de 2013, e o armário de cozinha, incluído. O valor máximo para o item, porém, foi fixado em R$ 600.

Segundo a Caixa, que executava os financiamentos, o Minha Casa Melhor durou de junho de 2013 até fevereiro de 2015 e beneficiou 708 mil famílias com R$ 3 bilhões em crédito. Até agora já foram utilizados R$ 2,92 bilhões.

OUTRO LADO

Em nota, o senador Magno Malta (PR-ES) afirmou que não teve nenhuma participação na elaboração ou apresentação da emenda à Medida Provisória 620/2013, relativa ao Minha Casa Melhor.

"O senador não teve participação nessa emenda, até pelo fato de que era oposição e teria, com certeza, resistência da base aliada e da relatoria em aprovar emendas", afirmou sua assessoria.

"Magno jamais recebeu qualquer benefício pessoal por essa ou qualquer outra emenda ou projeto de lei."

Questionado sobre a emenda ter sido assinada por Gim Argello (PTB-DF) e enviada à Itatiaia por seu gabinete, o senador disse que "é rotineiro em todos os gabinetes enviar cópias de emendas e projetos a qualquer cidadão que se identifique e solicite".

"Desconhecemos a motivação que levou o senador Gim Argello a apresentar a emenda. Os gabinetes estão sempre prestando serviços com o único objetivo de atender demandas de pessoas físicas e jurídicas de todo o Brasil."

Ainda segundo o senador, a emenda foi rejeitada.

A assessoria da Cozinhas Itatiaia afirmou que a empresa buscou sensibilizar o governo sobre a inclusão do financiamento de móveis de cozinha no programa.

"A inclusão do segmento contou com o apoio incondicional e o interesse do público-alvo, do governo e da classe política, de todo o setor moveleiro e, naturalmente, do município de Ubá, onde a Itatiaia, geradora de impostos e empregos, mantém uma fábrica", afirmou, em nota.

Perguntada, a empresa não informou por que recebeu um e-mail do gabinete de Malta com cópia da emenda, no exato valor definido por sua área de marketing (R$ 1.100).

"Proposições dessa natureza constituem subsídios técnicos para emendas parlamentares, sem os quais deputados e senadores seriam incapazes de propor ou aprovar projetos de lei", disse.

O prefeito de Ubá (MG), Vadinho Baião (PT), disse que a cidade é polo moveleiro e tinha interesse em movimentar a economia local ao sugerir à ex-presidente Dilma Rousseff a inclusão de armários de cozinha. Ele afirmou que não recebeu benefícios por sua intervenção e não indicou o valor a ser financiado para móveis de cozinha.


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