Folha de S. Paulo


Análise

Cunha cair atirando foi ruim para governo, mas pior seria ficar refém

Renato Costa - 09.set.2016/Folhapress
BRASILIA, DF, BRASIL, 09/09/2016,Entrevista com o deputaddo afastado Eduardo Cunha,nesta sexta feira (9) em Brasilia. (Foto: Renato Costa/Folhapress,( EXCLUSIVA)
O deputado afastado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), durante entrevista à Folha em Brasília

Logo após o anúncio do resultado da cassação de Eduardo Cunha, sua figura isolada no plenário e na saída Câmara dos Deputados foi vista com um misto de alívio e preocupação dentro do Palácio do Planalto.

Interlocutores de Michel Temer, logo após o final da sessão que cassou o mandato do até pouco tempo aliado do presidente, avaliaram como "ruim" Eduardo Cunha ter caído atirando na direção do governo peemedebista.

Mas disseram que seria muito pior ficar "refém" do ex-presidente da Câmara dos Deputados caso ele conseguisse adiar a sessão, o que iria apenas postergar um resultado já tido como certo.

Neste período, até que se consumasse a cassação, Cunha seguiria em Brasília mandando recados em tom de ameaças ao governo pedindo ajuda numa operação de salvamento tida como inviável.

Nas palavras de um assessor do presidente, só iria perdurar o "clima de indefinição" na Câmara dos Deputados, o que contribuiria para atrasar ainda mais votações de interesse do governo.

Agora, o discurso dentro do Palácio do Planalto é tratar o assunto como "página virada" e aproveitar que a pauta da Câmara ficará mais livre para votar temas como a criação do teto de gastos públicos, considerada essencial para a retomada da confiança na economia brasileira.

Internamente, Temer tem dito que nunca abandonou Eduardo Cunha mas também não tinha condições de trabalhar para salvá-lo. Uma resposta às queixas do ex-aliado de que o presidente não fez nada por ele, o que pode sinalizar retaliações à vista.

Temer repete a interlocutores não se preocupar pessoalmente com qualquer tipo de ameaça do peemedebista, mas sabe que ele pode lançar suspeitas no ar que podem atingi-lo, seu governo e o Legislativo, tumultuando esta reta de final de ano.

Seja como for, o governo se diz aliviado com o desfecho porque, mesmo com os riscos de Eduardo Cunha cumprir suas ameaças e divulgar fatos que possam comprometer a equipe de Temer, pior seria ficar nesta indefinição.

O fato é que o ex-presidente da Câmara foi "abandonado" não apenas pelo governo, mas também por seus aliados. Entre votos contra sua cassação, abstenções e ausências, somente 61 deputados se mantiveram ao lado de Eduardo Cunha.

Até pouco tempo, seus amigos diziam que ele tinha uma bancada fiel que superava e muito os cem parlamentares. Este número foi minguando enquanto se aproximava o dia da votação do seu processo.

Um voto é particularmente simbólico desta perda de apoio do antes poderoso peemedebista. Logo após ser cassado, ao disparar contra o Palácio do Planalto, Cunha disse que Temer ajudou a eleger Rodrigo Maia (DEM-RJ) para presidência da Câmara, derrotando o seu nome preferido para sucedê-lo no posto, deputado Rogério Rosso (PSD-DF).

Pois bem. Na sessão desta segunda-feira (12), aquele em que Cunha depositava suas esperanças de assumir seu lugar e trabalhar para livrá-lo, votou pela sua cassação. Não só ele, mas outros.

Ao final, a famosa bancada de Cunha, daqueles que devem, no mínimo, favores de campanha ao agora ex-deputado, era ou ficou muito menor do que o esperado. Insuficiente para salvá-lo.

Fica, agora, a dúvida se o ex-presidente da Câmara partirá para uma delação premiada. Em público, garante que não. Mas todos delatores sempre negaram, mesmo já estando em negociações para contar o que sabiam em troca de reduções de pena.

Publicar apenas um livro, contando os bastidores da novela do impeachment, como ele prometeu assim que deixou a Câmara acompanhado apenas de um deputado, pode até gerar temores, mas não é suficiente para alterar o rumo de seus processos que devem condená-lo. Se a novela da cassação acabou, esta ainda vai longe.


Endereço da página: