Folha de S. Paulo


Ações contra 'black blocs' na Justiça se arrastam ou têm pena branda

Três anos após sucessivos protestos que acabaram em violência no Rio e em São Paulo, o resultado de ações criminais na Justiça mostra que a maior parte dos manifestantes acusados de associação criminosa aguarda julgamento. Pelo menos quatro deles foram absolvidos e ao menos um foi condenado, porém com pena branda.

As ações refletem que propostas dos governos estadual e federal para endurecer as punições para envolvidos em confrontos e depredações a partir de 2013, ano em que houve uma série de manifestações, não tiveram resultado previsto, conforme processos acessados pela Folha.

A ideia de enrijecer medidas punitivas ganhou força após a morte do cinegrafista Santiago Andrade, atingido por um rojão disparado por dois manifestantes no Rio, e os atos contra a Copa do Mundo, ambos em 2014.

No mesmo período, não há registro de policiais militares punidos por excessos nessas manifestações.

Em julho de 2015, em São Paulo, o motorista João Antonio Roza foi o primeiro "black bloc" –adepto da depredação de patrimônio– condenado por associação criminosa. A pena de um ano de prisão foi convertida em prestação de serviço à comunidade.

Ele foi flagrado depredando veículos de uma concessionária durante os atos contra a Copa, em 2014.

Também no ano passado, os manifestantes Fábio Hideki e Rafael Lusvarghi foram absolvidos da acusação de formação de quadrilha.

Eles ficaram 45 dias presos acusados de portar bombas em 2014. Perícia constatou que não eram explosivos.

Dois jovens acusados de atacar o PM Wanderlei Vignoli em 2013 também foram absolvidos por falta de provas no ano passado.

Aguardam julgamento dois manifestantes acusados de participar de tentativa de homicídio contra o coronel da PM Reynaldo Simões, também em 2013. Eles negam.

Em janeiro deste ano, a Folha mostrou que o maior inquérito para investigar "black blocs" em SP acabou sem indiciados. Enviado à Justiça, o processo não teve desfecho.

NO RIO

Diferentemente de São Paulo, o inquérito principal sobre suspeitos de depredação terminou com 23 denunciados por dano ao patrimônio e associação criminosa.

Segundo o promotor Paulo de Araújo Sally, o Ministério Público pediu a condenação de 18 deles –contra cinco não havia provas.

Sally diz que o processo pode ser julgado a qualquer momento. Todos chegaram a ser presos, mas hoje respondem em liberdade.

O promotor recorreu ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) e conseguiu que todos fossem submetidos a medidas cautelares mais restritivas, como a proibição de deixar o Rio sem informar ao juízo.

O caso mais emblemático no Rio é o de Caio Silva e Fábio Raposo, acusados de matarem o cinegrafista Santiago Andrade, em fevereiro de 2014, após dispararem um rojão numa manifestação.

Segundo o Tribunal de Justiça do Rio, eles ficaram presos até 19 de março de 2015. Desde então, respondem em liberdade, monitorados por tornozeleira eletrônica.

Caio e Fábio respondiam por homicídio doloso triplamente qualificado, o que prevê tribunal do juri. Após recurso da defesa, a segunda instância do TJ-RJ desqualificou a acusação. Ou seja, não vale mais a acusação de homicídio doloso.

Os magistrados pediram que fossem refeitos os termos da acusação, e o Ministério Público recorreu. Neste momento, o processo está em fase de julgamento –será julgado se o recurso do MP-RJ é procedente ou não. Na prática, ainda não há imputação nova, ou seja, eles ainda não respondem por homicídio culposo.

CATADOR

Condenado pela Justiça do Rio a 4 anos e oito meses de prisão sob acusação de portar bomba nos protestos de 2013, o catador de latinhas Rafael Braga Vieira, 28, voltou a ser preso neste ano, agora por tráfico de drogas.

Em 2014, Braga foi o primeiro condenado por participação em protestos.

Ele recebeu uma pena de 5 anos de prisão, que foi reduzida em quatro meses posteriormente.

No início deste ano, ele, que estava em regime semi-aberto e usava tornozeleira eletrônica, foi preso por policiais.

Segundo eles, Vieira portava papelotes de cocaína quando andava pela comunidade de Vila Cruzeiro.

Ele nega que estava com as drogas. Advogados defendem que houve flagrante forjado.

(COLABORARAM MARCO ANTÔNIO MARTINS E LUCAS VETTORAZZO, DO RIO)


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