Folha de S. Paulo


Servidor que orientou fatiamento do impeachment diz que medida segue lei

Pedro Ladeira/Folhapress
BRASILIA, DF, BRASIL, 01-06-2016, 19h00: O ex-ministro da justiça e ex AGU do governo Dilma, José Eduardo Cardozo, entrega a defesa da presidente afastada Dilma Rousseff ao secretário geral da mesa do senado, Luiz Fernando Bandeira de Mello Filho, no gabinete da secretaria geral. (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress, PODER)
O advogado de Dilma Rousseff, José Eduardo Cardozo, entrega a defesa a Luiz Fernando Bandeira

O secretário-geral da Mesa Diretora do Senado, Luiz Fernando Bandeira, afirma que a Casa não violou a Constituição ao permitir o fatiamento da votação do impeachment de Dilma Rousseff.

Com a divisão, os senadores cassaram o mandato de presidente de Dilma, mas mantiveram a habilitação dela para ocupar funções públicas. A medida criou polêmica e divergências.

No Senado desde 2004 e ex-advogado-geral da Casa, Bandeira, 37, foi o escrivão do processo de impeachment e personagem constante nas discussões entre os políticos.

Na sessão de quarta (31), que cassou Dilma, Bandeira ajudou a orientar o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Ricardo Lewandowski, a aceitar pedido do PT para dividir em duas votações o quesito sobre pena e habilitação para a função pública.

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Folha - Vocês não rasgaram a Constituição ao fatiar a votação do impeachment?

Bandeira - Pelo contrário. A Constituição diz expressamente que a pena pelo crime de responsabilidade fica limitada a perda do cargo com inabilitação para cargos públicos por oito anos. Essa inabilitação é a pena máxima. Entendo que entre a absolvição e a pena máxima pode existir uma dosimetria.

Por que houve essa divisão?

O regimento diz que qualquer proposição pode ser objeto de um destaque. O que é um destaque? É recortar um texto da proposição e votar separadamente. A bancada do PT apresentou um requerimento de destaque, que é um direito dela. É previsto no regimento, é automático.

Entendo que não cabia ao presidente Lewandowski rejeitar o requerimento. Uma vez apresentado, deve ser submetido. O quesito do impeachment pode ser considerado proposição? Entendo que sim, porque proposição é toda matéria submetida à deliberação do plenário.

Mas por que isso foi discutido só no fim do processo? Pareceu que encontraram um jeitinho de última hora..

Foi uma ideia da bancada do PT que não havia sido formalmente apresentada. Também não é todo dia que tem impeachment. Na primeira vez que isso começou a ser ventilado em conversas com senadores, tomei a iniciativa de pedir um parecer da consultoria legislativa do Senado para saber se meu entendimento pessoal seria corroborado por outros órgãos da Casa. O parecer (a favor) chegou às minhas mãos na véspera da votação.

Quando esse destaque surgiu?

Na abertura da sessão desta quarta, apareceu o requerimento do senador Humberto Costa (PT-PE) apresentando o destaque. Neste momento o ministro Lewandowski virou para mim e disse: 'Eu posso aceitar isso?'. Eu mostrei para ele o parecer (da consultoria legislativa), ele leu o regimento interno, as disposições aplicáveis e entendeu que era o caso de admitir. Acho muito importante salientar que a própria lei do impeachment, na sua redação original, lá em 1950, previa primeiro votar a a perda do cargo e, depois, a inabilitação.

Então o presidente Lewandowski não chegou à sessão com decisão tomada?

Tenho certeza que foi tomada na hora.

Fala-se que o Renan Calheiros (PMDB-AL), presidente do Senado, teria articulado a aprovação da medida.

Ele nunca pediu isso a mim. Quando, na véspera da votação, terça (30), eu soube que poderia haver algo nesse sentido, procurei manter o presidente Renan Calheiros informado. Não pareceu que ele estivesse sabendo ou articulando.

O senador Fernando Collor fala em dois pesos e duas medidas em relação ao caso dele, em 1992.

Nem tanto. O episódio do Collor reforça essa tese: ele renunciou e não tinha mais que se falar em pena de perda de cargo. O Senado deliberou separadamente sobre a pena de inabilitação. E o que fizemos agora foi isso: deliberar separadamente.

Na sua opinião, com essa decisão do Senado, Dilma pode disputar eleições?

Não é minha competência me manifestar sobre elegibilidade. Entendo que ela (Dilma) pode assumir cargo de confiança, mas disputar eleição talvez não. Isso dependerá se o tribunal eleitoral entender que, nesse caso concreto, o Senado funcionou como órgão judicial. O termo da lei é ser condenado por decisão colegiada de órgão judicial. Se entenderem que o Senado funciona de fato como órgão judicial, me parece que ela estaria inelegível.

Preocupa as contestações dessa decisão no STF?

É possível contestar, mas entendo também que o Senado era o órgão a quem cabia a decisão e entendo que o STF tende a respeitar.

A decisão do Senado pode abrir precedente, como no caso da cassação do deputado afastado Eduardo Cunha?

Não creio. Esse episódio não abre precedente sobre quebra de decoro. São hipóteses distintas na Constituição, com penalidade distinta.


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