Folha de S. Paulo


Análise

Imbróglio coloca novamente STF no centro da arena política

Como se não bastassem todos os percalços que marcaram o presente processo de impeachment, no apagar das luzes, o Senado decidiu que a ex-presidente Dilma perderia o mandato, mas não teria os direitos suspensos.

Questão semelhante surgiu no final do julgamento do ex-presidente Fernando Collor, no Senado, só que com sinal invertido. Pouco antes de ser sentenciado, ele encaminhou carta de renúncia aos senadores. Com isso surgiu uma dúvida jurídica: deveria o julgamento ser extinto? E mais, caso o Senado decidisse prosseguir com o julgamento, poderia aplicar a pena de suspensão de direitos, sem que a pena de perda de mandato pudesse mais ser aplicada?

Neste momento todos os olhares se voltaram para o ministro Sidney Sanches, que presidia o julgamento, para saber o que deveriam fazer. Ao que o ministro respondeu que a decisão era do Senado. Conforme relatado por ele em sua entrevista ao projeto História Oral do STF, da FGV, explicou aos senadores que "na doutrina, há quem sustente que a segunda pena é acessória à principal. Como o acessório segue o principal, e o principal já não pode mais ser aplicado, a acessória também não pode mais ser aplicada. Para outra parte da doutrina, as duas penas são autônomas... Se acharem que é autônoma, os senhores prosseguem (o julgamento) e aí vão decidir se aplicam ou não a pena".

Foi o que ocorreu. O Senado deu seguimento ao julgamento e aplicou a pena de suspensão dos direitos políticos, independentemente da pena de perda de mandato. Essa decisão foi então questionada pelo ex-presidente Collor junto ao STF, sob o argumento de que não poderia receber a pena acessória, sem que houvesse sido punido com a pena principal. A decisão do STF foi surpreendente: empate de 4 a 4. Convocou-se então três ministros do STJ para que concluíssem o julgamento, que terminou com o indeferimento do mandado de segurança impetrado por Collor. Em resumo, o STF decidiu que a decisão do Senado, certa ou errada, era soberana.

Voltando à cena atual, a decisão do Senado não parece das mais acertadas, mas a ele cabe decidir se a presidente deve ou não ser afastada e, se entender que as penas são autônomas, se a ex-presidente Dilma deve ou não ter seus direitos políticos suspensos.

O fato, porém, é que este novo imbróglio colocará mais uma vez o STF no centro da arena política brasileira. A ele caberá dar a última palavra, ainda que esta seja para reafirmar, em respeito aos seus precedentes, que no caso de impeachment, a última palavra é do Senado. A ele foi dado o direito de acertar ou errar em último lugar, como não se cansava de repetir o saudoso ministro Paulo Brossard.

OSCAR VILHENA é doutor pela USP e tem pós-doutorado pela Universidade de Oxford


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