Folha de S. Paulo


Assessor de Capez pressionava Coaf por propina, sugerem mensagens

Moacyr Lopes Junior - 13.fev.2016/Folhapress
O presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo, Fernando Capez (PSDB), em entrevista à Folha
O presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo, Fernando Capez (PSDB), em entrevista à Folha

Em mensagens de celular encontradas pela polícia, um ex-membro da Coaf, cooperativa suspeita de fraudar a merenda em São Paulo, afirma que um assessor próximo do presidente da Assembleia Legislativa, Fernando Capez (PSDB), ameaçou cancelar contratos com o Estado por causa de atraso na propina.

As mensagens foram enviadas em 6 de maio de 2015 por César Bertholino, ex-vendedor da Coaf, a Cássio Chebabi, então presidente da entidade. Citam Licá, que, segundo a polícia, é Luiz Carlos Gutierrez, assessor de Capez na presidência da Assembleia.

Bertholino deve depor nesta quarta-feira (31) à CPI da Merenda, na Assembleia.

"Cássio / O pessoal de sp me ligou hj / Perguntando da comissão [propina]", escreve Bertholino entre as 20h11 e as 20h23. "Disseram q se não pagarmos essa vão suspender os pedidos [de suco de laranja] até pagarmos."

"Os caras tão bravos. Falaram até em cancelar o contrato. Eu pedi pelo amor de Deus pra não fazerem isso [...] Fica de olho nisso pq pelo tom de voz do Licá eles não tão brincando não / Ficou 35 minutos comigo no telefone", afirma.

De três assessores de Capez investigados na operação Alba Branca, Licá é o único que continua trabalhando com o tucano, de quem é amigo. Ele já foi citado em depoimentos, mas as mensagens obtidas pela Folha são as primeiras a trazer outros tipos de indício de sua suposta participação.

Licá atuou na campanha de Capez em 2014, quando o deputado se elegeu, e está comissionado no gabinete da presidência da Assembleia desde maio do ano passado.

Segundo a apuração, as mensagens referem-se a dois contratos que a Coaf firmou com a Secretaria da Educação do governo Geraldo Alckmin (PSDB) para fornecer R$ 11,4 milhões em suco de laranja ao longo de 2015.

Os pagamentos à fornecedora eram liberados em parcelas, à medida que eram entregues os lotes de suco.

"O cancelamento não seria pela falta de entrega do produto e sim em razão do alegado atraso na 'comissão', o que demonstra claramente que o dinheiro era enviado para pessoas que tinham poder de mando referente ao negócio estipulado entre Coaf e Secretaria de Educação", afirma o relatório da Polícia Civil.

Há outras trocas de mensagem sobre suposto atraso no pagamento de propina datadas de 3 e 18 de junho de 2015.

Na do dia 18, Chebabi diz que aqueles que cobram rapidez no pagamento de propina "querem milagre / Não estão satisfeitos / São loucos". E orienta Bertholino: "Fala que milagre a gente não faz".

Os ex-membros da Coaf investigados na Alba Branca dividem-se hoje em dois grupos: o primeiro, representado pelo ex-presidente Chebabi e pelo lobista Marcel Ferreira Julio, disse aos investigadores que houve pagamentos de propina a políticos e agentes públicos estaduais.

O segundo grupo diz acreditar que Chebabi e Marcel diziam aos colegas que a suposta propina ia para políticos, quando, na verdade, pegavam o dinheiro para si próprios. Bertholino, segundo sua defesa, tem essa versão.

Perguntado sobre por que, então, escreveu a Chebabi que falou por telefone com Licá, Bertholino disse agora, por meio de seu advogado, que mentiu na mensagem.

Segundo sua versão, ele foi orientado por Marcel a utilizar o nome de Licá indevidamente com o objetivo de pressionar Chebabi para que liberasse os pagamentos de comissão -mas não informou quem receberia tais valores.

MÁFIA DA MERENDA - Sem registro, cooperativa não podia disputar concorrência

SECRETARIA

A Folha pediu ao PT na Assembleia para levantar, em um sistema interno, em quais datas houve pagamentos da Secretaria da Educação à Coaf. Comparando-as, elas são próximas das datas das mensagens apreendidas.

Foram pagas à Coaf duas parcelas de R$ 238,3 mil em 27 de abril e em 6 de maio de 2015 –data que coincide com a de uma mensagem apreendida. Também foram pagos à cooperativa R$ 1 milhão em 12 de junho e R$ 238,3 mil em 15 de junho –três dias antes da data da outra mensagem.

Ainda em 6 de maio, uma mensagem de Bertholino diz a Chebabi que, depois que falou com Licá, ele recebeu um e-mail de um servidor da Secretaria da Educação suspendendo a suposta abertura de uma nova chamada pública para suco de laranja com acerola, que interessava à Coaf.

"Uma hora depois que falei com ele [Licá] o clayton lá da secretaria me passou email suspendendo a chamada do suco de laranja com acerola até segunda ordem."

Para a investigação, trata-se do servidor Cleiton Gentili.

OUTRO LADO

O advogado Daniel Bialski, que defende Licá, afirmou que seu cliente nunca conversou com Bertholino.

"Não falou, não conhece ele nem qualquer outra pessoa relacionada à Coaf. Essa referência feita ao Licá é equivocada, refere-se a terceira pessoa, não a ele", disse.

Segundo Bialski, Bertholino já foi ouvido na CGA (Corregedoria Geral da Administração), subordinada ao governo do Estado, e negou que conhecesse Licá.

No depoimento à CGA, Bertholino disse que ouviu do lobista Marcel Ferreira Julio que Licá recebia "comissão", mas que "não tem conhecimento" se isso de fato ocorreu. Na apuração da CGA não há menção às mensagens que Bertholino enviou citando Licá.

O advogado de Bertholino, Rogério Valverde, disse que seu cliente mentiu na mensagem que enviou, e que ele jamais conversou com Licá.

"Ele confirmou que de fato mandou essa mensagem para Cássio Chebabi, porém o fez a pedido de Marcel apenas para pressionar o Cássio a pagar as comissões que estavam atrasadas", disse.

Procurada para se manifestar sobre a informação de que Gentili teria enviado um e-mail a Bertholino, após suposto atraso nas propinas, a Secretaria Estadual da Educação afirmou que "nunca existiu a abertura de uma chamada pública para compra de suco de laranja com acerola" –os contratos da Coaf com o Estado incluíam somente laranja.

"Se Cleiton Gentili falou sobre o assunto, não foi oficialmente em nome da pasta. Caso se confirmem as denúncias, a Corregedoria abrirá nova apuração."

A assessoria do deputado Fernando Capez optou por não comentar. Ele tem negado irregularidades.


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