Folha de S. Paulo


'Foro privilegiado deveria ser reduzido para 15 pessoas', diz procurador

Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados
Audiência Pública sobre o PL 4850/16, estabelece medidas contra a corrupção. Procurador da República, Dr. Deltan Dallagnol
O procurador da República Deltan Dallagnol, da Lava Jato, durante audiência na Câmara

O coordenador da força-tarefa da Lava Jato, procurador Deltan Dallagnol, defendeu nesta terça (9) que o foro privilegiado só exista para cerca de 15 pessoas no país.

"O foro privilegiado foi criado para defender as funções mais importantes para a estabilidade econômica e política de um país. Agora, no Brasil, existe para mais de 20 mil pessoas", disse. "Eu tenho foro privilegiado e não tinha que ter. Acredito que deva ser reduzido para cerca de 15 pessoas."

Sua avaliação pessoal, continua, é que o recurso deveria ser estendido apenas aos 11 ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), ao procurador-geral da República, aos presidentes da Câmara e do Senado, e ao presidente da República.

Nesta terça (9), Dallagnol participou da comissão na Câmara que discute medidas contra a corrupção e defendeu que o Congresso aprove uma série de medidas para evitar a impunidade nos crimes de corrupção.

"Não precisa ser a solução que eu quero. Eu não sou o rei do mundo, não sou mago do universo", disse.

"Algumas pessoas dizem que a Lava Jato mostra que não é preciso mudar as leis. Não, a Lava Jato é a exceção que confirma a regra da impunidade, a regra no nosso país é a impunidade", avalia o procurador.

A "máquina trituradora do sistema" faz com que ocorra impunidade em 97% dos casos de corrupção, afirmou Dallagnol, citando um estudo da FGV. "A punição é uma piada."

Falando a um grupo de deputados, o procurador mencionou a impunidade de parlamentares na investigação dos Anões do Orçamento, há mais de 20 anos.

"Nenhum parlamentar foi punido. Depois de 21 anos, um assessor parlamentar foi punido, que era o delator do esquema. Que país é esse que o delator é o único que vai para a cadeia por corrupção?"

Dallagnol disse confiar que os deputados mudariam a legislação atual para enfrentar o crime e fez uma comparação: "Hoje a senhorinha que mantém um papagaio na gaiola é punida; agora o corrupto que desvia milhões vai acabar impune, porque luta contra o sistema, que tem uma série de brechas. Isso, sim, é papagaiada".

Dallagnol citou a Operação Castelo de Areia, e disse que ela poderia ter se tornado a Lava Jato, "podia ter impedido o desvio de bilhões de reais (...) existia já ampla prova indicando corrupção de funcionários públicos, corrupção de empresa".

AGORA OU NUNCA

O procurador repetiu que "mudança de governo não é caminho andado nenhum contra a corrupção". "Não é um problema de um partido A ou B", disse, defendendo mudanças na legislação para o combate efetivo da corrupção, "um mal que nos acompanha há séculos".

"Será que não estamos num 'turning point'?", questionou o procurador, que alertou alertou para o risco de que, após a Lava Jato, se torne ainda mais difícil a investigação e a punição à corrupção. Na Itália, disse, houve retrocesso após a operação "Mãos Limpas".

"Estamos num momento de inflexão, como está não fica. Ou vai melhorar ou vai piorar", disse.

CONSPIRAÇÃO

Falando aos deputados, Dallagnol rejeitou a ideia de que a Lava Jato atue contra alvos específicos.

"Afirmar que nessa investigação existiu seletividade é como construir uma espécie de teoria da conspiração. Atuamos em 11 procuradores da República, todos concursados, sem filiação político-partidária. Além disso, somos em 50 pessoas no Ministério Público Federal, mais 40 na Polícia Federal, mas outro tanto na Receita Federal, de diferentes origens e visões de mundo. Na Justiça, temos o juiz, três desembargadores, cinco ministros no STJ e mais cinco ministros no STF. Acreditar que todas as pessoas estão conluiadas para prejudicar um determinado partido ou outro é construir uma teoria da conspiração que não se sustenta."

"Eu sou técnico, não tinha nem habilidade para falar em público com desenvoltura", disse o procurador, que citou ter dado mais de 150 palestras sobre esse tema. "A nossa assessoria de comunicação nos recomendou que assumíssemos posturas públicas, em entrevistas, para contrabalancearmos o peso da postura de outras pessoas poderosas que falariam contra a investigação."

LAVA JATO AINDA NO COMEÇO

O procurador Diogo Castor, também integrante da Lava Jato, afirmou que ainda há muito a ser investigado no âmbito da operação, que talvez ainda não tenha chegado "a um quinto do que tem de potencial para avançar".

"Acreditamos que é uma chance única de conferir o mínimo de efetividade ao sistema de Justiça criminal", disse.

Assim como Dallagnol, Castor alertou para uma série de propostas, no Congresso, que possam vir a facilitar a impunidade e os crimes de corrupção. "Fora da Lava Jato continua tudo como está."


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